domingo, 25 de maio de 2025

Tentativa #16 – A Arte de Tentar Adivinhar

“A expectativa é o maior impedimento para viver: leva-nos para o amanhã e faz com que se perca o presente.”

Sêneca

Bem, cá estamos, em mais um domingo de desabafos e de reflexões.

Desta feita, trago uma Tentativa sugerida por uma das minhas leitoras mais assíduas, sim, que já começo a ter fãs, um clube pequenino de fãs, mas não interessa, ninguém disse que um clube não podia ser só de 2 ou 3 pessoas.

Então, o tema sugerido foi: As Expectativas.

Devo confessar que ainda hesitei em explorar o tema, porque parecia-me que de alguma forma já tinha abordado o tema em parte de Tentativas anteriores.

Mas como foi sugerido por uma pessoa pela qual tenho muita estima esforcei-me em refletir sobre o tema mas sob uma perspetiva diferente.

Comecei a pensar em como é engraçado e até sarcástico e hipócrita o que se passa, e sempre se passou, na sociedade.

É que basta falar com meia dúzia de pessoas sobre a satisfação que têm em relação à sociedade do dia-a-dia, e todos ou a maior parte dirá que não está satisfeito, que não concorda, e várias das queixas coincidirão com certos pontos-chave: desigualdade entre homens e mulheres, desequilíbrio entre tempo profissional e tempo pessoal, exigências exageradas relativamente ao como estar e como ser e parecer perante os outros…São inúmeras as insatisfações.

O engraçado nisto tudo é que acreditem ou não somos nós que fazemos a sociedade. Então, se assim é como é que isto acontece? Como é que ainda estamos neste ponto em que ninguém está satisfeito, mesmo havendo pontos de desagrado em comum?

Será por falta de coragem de ir “contra a corrente” mesmo que afinal a corrente vá ao nosso favor? Será que é porque estamos a ser controlado psicologicamente pelo Governo e afinal todas as teorias da conspiração são verdade, tipo há cenas na água, os pássaros afinal são espiões e a terra é plana?

Eu sei que existem opiniões diversas e que se calhar temos todos o mesmo objetivo e discordamos nos mesmos pontos, mas para cada um as soluções passam por caminhos diferentes, e é aí que voltamos ao mesmo de sempre, percebo.

Sei também que temos que ir todos mais ou menos na mesma onda porque o homem, mesmo que às vezes não pareça (por mim falo), é um ser sociável, que precisa dos outros para sobreviver e por isso vai na onda mesmo não gostando de água nem sabendo sequer nadar.

Também temos a questão de o homem ser um bicho de hábitos, e então atuamos assim e seguimos o que “a sociedade manda” porque “sempre foi assim, sempre assim serááá” (quem apanhou esta referência ou é fã da Disney ou tem filhos em casa a ver filmes da Disney em looping, de uma forma ou outra, #tamosjuntos).  

No entanto, desta vez o que achei interessante e engraçado nestes pensamentos sobre as expectativas é que as exigências e expectativas que sentimos no nosso dia-a-dia e que tanto nos carregam o fardo são criadas não só pelos outros em relação a nós, como, ainda, por nós mesmos. Ou seja, nós criamos a nossa expectativa para nós, para os outros e o que expectamos que os outros expectem e exijam de nós.

Esta última parte é menos simpática de todas, porque é esta expectativa com tentativa de aplicação dos nossos poderes adivinhatórios que nos lixa por dentro e que se reflete por fora.

Já pensaram nisso? É que nós não sabemos o que o outro está a pensar, não perguntamos (por medo, por vergonha, porque achamos que sabemos…), mas o nosso lindo cérebro super, hiper, mega criativo começa logo a fazer grande esquema tipo daqueles dos filmes quando estão a tentar apanhar o assassino ou assim, e começamos a pensar “ah, não esta pessoa não está satisfeita com a performance porque estava à espera que eu fizesse assado e eu fiz cozido”, “ah, eu gostava de fazer assim, mas de certeza que não vai gostar, porque não tem ar de quem goste disso”, “Não é suposto fazer assim, por isso vou fazer como sempre se fez, mas acho que giro, giro era fazer uma coisa diferente para variar”.

E isto aplica-se a todas as áreas da vida, nós é que muitas vezes fazemos as coisas porque achamos que os outros todos estão com a expectativa no máximo em relação a nós e achamos que não podemos falhar, e então desdobramo-nos feitos loucos para cumprir com a expectativa, no entanto, muitas vezes a outra pessoa nem sequer pensou no assunto e na expectativa que tem em relação a nós.

Mais, muito provavelmente, e mais se forem meio despistados com essas coisas como eu sou, provavelmente não tinham mesmo pensado no assunto, o que significa que mesmo que perguntem qual é ou era a expectativa, haverá uma resposta, mas muito provavelmente, mesmo que sem querer, será uma resposta falsa, uma expectativa pensada só no momento.

Isto para dizer que, provavelmente, mesmo perguntando às outras pessoas quais são as expectativas em relação a nós poderemos ter uma resposta falsa ou mesmo irrealista, porque não foi devidamente pensada e refletida tendo em conta todos os elementos a considerar…

Claro que há situações em que sabemos que a expectativa elevada existe, e como queremos fazer as coisas bem, cumprimos com essa expectativa, mas também sei que mesmo fazendo isto, não será suficiente, porque enquanto mais nos exigem mais damos, e assim sucessivamente, o que significa que não teremos descanso nunca.

Já tentaram não fazer as coisas olhando ou pensando na expectativa dos outros em relação a nós, mas apenas tendo em conta aquilo que nos faz sentido naquele momento? É libertador, claro que não dá para fazer sempre, até porque vivemos numa coisa que se chama sociedade, como já falamos, e pronto, existem regras, mas dá para relaxar um pouco e o nosso melhor não é sempre igual, o nosso melhor é o que fazemos da melhor forma que conseguimos com os meios que temos naquele momento, portanto…vale a pena pensar nisso (outra referência para oldies).

Parece-me, tendo pensado no assunto, que a maior parte das expectativas são irreais, irrealistas e ilusórias, precisamente porque nem nós mesmos temos em conta os meios que temos e que os outros têm para as atingir…não se pode exigir a uma pessoa que encha uma piscina olímpica uma colher de cada vez numa hora, ou, - algo que ultimamente parece ser efetivamente exigido pelas perfeitas das redes sociais – que se tenha a casa sempre e em qualquer circunstância impecavelmente arrumada e limpa, sem uma única partícula de pó e sem camas por fazer, mesmo que se trabalhe a tempo inteiro e se tenha filhos e animais de estimação. Atenção, há quem consiga, claro que há sempre esses extraterrestres que conseguem tudo ao estilo MacGyver, mas no dia-a-dia do comum mortal esse tipo de pensamentos e expectativas são só sofrimento e frustração a caminho.

Olha, lembrei-me agora de uma daquelas publicações fofas de Insta ou de outra rede social qualquer que dizia tipo: “Se queres atingir a felicidade segue a regra das oito horas. Gasta 8 horas para trabalhar, 8 horas para as coisas que gostas de fazer e as restantes 8 para dormir, e terás o equilíbrio e a felicidade que tanto queres e mereces”. Quem é a pessoa que teve esta ideia e onde mora e o que faz é que gostava eu de saber, não seria para a parabenizar pela ideia fantástica, era para lhe dar com uma casca de banana na cara a ver se acorda. É que este tipo de publicações em vez de ajudar só carrega mais na frustração, ninguém normal hoje em dia consegue fazer esta distribuição de tempo, o que significa então? Que não vai poder ser equilibrado e feliz? Talvez, mas isso não se diz assim às pessoas…que falta de chá.

Portanto, em relação às expectativas sejamos meigos connosco e com os outros. Atenção, não é sermos moles e aceitar só o que vem e pronto, é ter mais consciência do que as pessoas (nós incluídos) têm material e psicologicamente à sua disposição para atingir os objetivos e expectativas criados.

Para terminar, para as expectativas irrealistas, como não temos o Dream Crusher (Esmagador de Sonhos) do filme “Viagem de Arlo” como mascote, vamos aqui dedicar-lhes uma música da Lily Allen, cujo título é “Fuck You”.

E assim me despeço. Expectando que voltem no próximo domingo a ver que mais coisas lindas tenho para dizer.

Da Vossa Criatura-Mais-Velha!