segunda-feira, 19 de maio de 2025

Tentativa #15 – Miss Venezuela



"Seja uma pessoa que valoriza a essência, não a aparência, cultive os valores mais profundos e não caia na tentação de se tornar um "super" em um mundo de estrelas sem brilho próprio."

Roberto Shinyashiki


Olá, olá! Como vão?

Aqui a vossa Criatura-Mais-Velha decidiu que era hora de avançar para junto das camadas mais jovens e assim e decidiu criar uma conta/página/perfil de Instagram. É verdade, vão seguir que vai ser muito giro (https://www.instagram.com/criaturamaisvelha_blog/).

Ora, toda a criação da página no Insta foi uma experiência, porque, para além das voltas infindáveis que dei para perceber como funcionava agora essa rede social adorável e das horas gastas a tentar perceber o porquê do Sr. Instagram não me aceitar no seu mundo e insistir em matar a conta antes da nascença, fez-me ainda lembrar do motivo para esta vossa linda não ter redes sociais para uso pessoal e livre: impacto negativo na autoestima e bem-estar mental à séria.

Mas antes demais, vamos até às origens de todo este encanto e desencanto pela beleza humana e pela obrigação social de existência permanente de beleza e perfeição, sobretudo para o género feminino, euzinha inclusive. É que cada vez mais se fala deste tema, mas o certo é que a relação tóxica com a beleza padronizada não apareceu só agora com as redes sociais e com as demonstrações extremas de perfeição mental e física que as influencers teimam em publicar. Não, não, esta relação de amor-ódio, para mim, pelo menos, vem de muitas vidas antes desta.

No meu caso, o início de toda esta jornada começa com algo que parece inofensivo e singelo, de seu nome: Miss Venezuela.

Este evento parava por completo a Venezuela, como se de uma final Benfica-Sporting se tratasse cá em terras lusitanas.

Para mim, a Miss Venezuela também era um evento brutal até porque também nós (eu, a minha Abuelita e minha mãe) parávamos para ver quem ganhava, se era justo, se era só bonita ou se tinha alguma coisa na cabeça que desse para dizer mais do que “Olá, sou a Miss Caracas e quero muito paz no Mundo”.

Mas agora que penso e analiso a situação, é um concurso bizarro. O concurso existe para os homens verem gajas supostamente boas e para que as mulheres do clube dos comuns-mortais criticassem as bonitas por serem bonitas (e de certeza não terem uma pinga de inteligência) e as menos bonitas porque não deviam ter direito a participar num concurso de beleza daquela categoria.

Houve uma Miss Venezuela que me marcou: Alícia Machado. Era uma das favoritas desde início, esforçou-se, passou por todas as restrições e mais alguma que são normais nesse tipo de concursos, em que até o sentido de humor limitam, e lá ganhou e ficou muito feliz, tal como todos os seus fãs. Mas, passados que foram alguns meses, foi duramente criticada porque teve a ousadia de engordar. Foi capaz de desiludir um país inteiro por amor às arepas, que desgraça e que ingrata que ela foi.

Eu ao ver isso com cerca de oito anos fiquei preocupada e triste, porque efetivamente era uma miúda gorducha (perdão, eu não era gorda, era maciça e com ossos fortes, como a minha Abuelita bem dizia sempre que alguém ousava dizer que eu tinha uns quilinhos a mais, mentiras atrozes dessas pessoas invejosas) e ainda para mais tinha um exemplo de mulher linda, magrinha e perfeita em casa: a minha mãe - que ainda hoje em dia é dona de uma beleza e carisma inigualáveis (para mim, será sempre a merecedora do título Miss Venezuela).

Porque fiquei assim? Porque o que retirei do que vi nessa altura é que o que era correto e bonito e aceitável era ser o mais magra possível, e que não tinha interesse nenhum o resto, nem inteligência, nem sentido de humor, então se nem sequer a queridinha da Venezuela podia fugir aos padrões de beleza porque gostava mais de comer do que de dar entrevistas em bikini a mostrar os abs super definidos que era logo ostracizada, o que me restava a mim, não é?

Depois tínhamos outras indicações forçadas e constantes em como ser magrinha, linda, perfeitinha, adorar maquilhagem, odiar comida e ter pensamentos próprios, bem como rejeitar qualquer tipo de atividade que se aproximasse a “coisas de meninos” é que era o caminho a seguir se queríamos crescer como mulheres parideiras e de família e socialmente aceites…

Essas indicações também tinham uma máscara de inofensivo, mas que na verdade afetava e afetou o psicológico da maior parte das meninas que passaram por isso e sobretudo para aquelas que não tinham desde logo uma autoestima saudável.

Essas indicações apareciam em forma de Barbies com corpos perfeitos mas totalmente utópicos. Em especial as publicidades em que, para além de estarem sempre lindas, maravilhosas, magras, super bem maquilhadas e com penteados perfeitos, as Barbies eram capazes de tudo, de ter qualquer profissão e continuar sem olheiras, sem um cabelo fora do sítio e sempre com um sorriso perfeito…Mentiras! Ultrajes! Criação de ilusões e de expectativas irrealistas! A Mattel deveria ser processada! Estou a exagerar, claro, mas é forte o que fizeram e fazem com a cabecinha das miúdas, e mesmo dos miúdos, que não têm capacidade de filtrar e de ter espírito crítico em relação a estas coisas (que, com idade com que se brinca com essas coisas ninguém ou quase ninguém tem, de todo).

Falando em publicidades, também há outra que me atinge em todos os nervos: as publicidades de pensos higiénicos e afins em que mostram uma mulher maravilhosa a fazer trinta por uma linha, as atividades mais radicais e satisfatórias, sempre impec e sempre com cabelo estilo Pantene a acompanhar, quando bem se sabe qual é a realidade das coisas…A realidade é feia, com borbulhas, com inchaço, cólicas, cãibras e com uma vontade de ficar na cama à espera que a coisa passe e a rezar para não mandar ninguém para um certo sítio sem querer. Para os senhores que inventaram essas publicidades e que ainda se orgulham disso, espero que durmam numa cama cheia de legos lubrificados com óleo e que sintam cheiro de naftalina de forma constante e por toda a eternidade.

Outra coisa muito gira era e é a perfeição das atrizes e cantoras que se nos apresentam nesta vida como exemplos. Também elas sempre lindas e maravilhosas e as favoritas de tudo e todos até que fritam a pipoca pela pressão ser tanta e decidem entrar num cabeleireiro à-toa e rapar o cabelo todo (quem percebeu, percebeu, quem não percebeu, vão perguntar ao Sr. Google que ficam logo a saber quem foi a louca).

Isto deveria chegar-nos para perceber que a maior parte dos ídolos das crianças e jovens são “feitos à medida” para que passem a mensagem que se quer: tens que ter a vida perfeita e ser sempre feliz e estar sempre no teu melhor. Ou seja, deveria ser o suficiente ver o que a exigência pela perfeição faz às pessoas mesmo dentro da área (no género masculino também, como é óbvio, mas creio que com mais “entusiasmo” em relação ao género feminino onde as exigências estendem-se a todos os aspetos da vida), para perceber o quão mal está esta sociedade e o quanto temos que ajudar os miúdos a perceber que está bem não ser perfeito e que o importante é ter uma relação saudável connosco e com os outros e com tudo o que há à nossa volta, nomeadamente, comida, bebidas e outras substâncias, e sobretudo que é para aproveitarmos enquanto cá estamos para viver e para gostar de viver, mesmo com dias maus pelo meio, e não para sofrer com que os outros esperam de nós e que depois se tornam as nossas espectativas também mas falsamente.

Bem, na minha altura a psicologia e preocupação com o que as crianças poderiam estar a retirar dos programas e conversas que apanhavam dos adultos não tinha a importância que tem nos dias de hoje. Por isso, mesmo tendo uns pais excelentes, certo é que me deixei influenciar, e muito, por aquilo que retirava da cultura pop e das exigências da sociedade em relação ao que as meninas e mulheres deveriam ser: perfeitas em todos os aspetos e em modo permanente.

Isto reflete-se até aos dias de hoje, e, voltando ao início da conversa de hoje, foi com o Instagram que percebi que por mais adulta que seja, quando algo não está devidamente tratado e curado, pode ter as mesmas consequências do que em criança.

Eu tive Insta parcos meses durante o ano de 2021 e digo-vos uma coisa, consegui sentir-me de novo como uma criança/adolescente que via as perfeitas desta vida, a achar que essas perfeitas o eram sempre e que eu, sem-vergonha e preguiçosa, não era como elas porque tinha sido desleixada, porque elas têm sempre a vida toda cuidada e calculada e que por isso é certamente muito fácil “é só organizar o dia” e que eu simplesmente era uma baldas (olha a Patrocínio, com 4 filhos paridos e sempre a meter inveja às pessoas, e eu só com uma assim dessa forma). Achei que deveria ser mais “Instagramável”, que deveria ter sido a vida toda disciplinada, quase obcecada com a perfeição, porque o efeito de não o ser era o estado lamentável em que me encontrava.

Adivinhem…As perfeitas o são para as fotos e vídeos que postam nas redes sociais, mas não o são durante o dia-a-dia, todos os dias das suas vidas, ámen. E adivinhem…Eu sempre soube isso, mesmo quando olhava para as fotos de corpos, caras e vidas perfeitas das perfeitas desta vida. No entanto, adivinhem…Este sistema cerebral que para aqui anda estava num estado tal que mesmo sabendo, se deixou afetar e se autossabotou, destruiu mais um pouco a autoestima a ficar a olhar para as perfeitas.

Eu acho muito difícil seguir aquela máxima que muito provavelmente criaturas que passaram pelo que eu passei neste aspeto criaram: Ama-te como és, és perfeita assim! (até porque em termos de saúde e de equilíbrio acho perigosa também esta vertente…pode dar muito para o torto e continua a dar importância em demasia à perfeição e à beleza, só que já numa de aceitar o destino e aprender a gostar).

Mas certo é que, para mim foi muito libertador deixar essa rede social do demo, pelo menos ao nível pessoal, e ir percebendo que temos fases melhores e fases piores, mas o que importa é haver um equilíbrio entre expectativa e realidade, para que possamos lidar bem com nós próprios, mas sem sermos desleixados em demasia, porque isso também acaba por querer dizer que não nos importamos connosco e isso não pode ser.

Portanto, resumindo e baralhando, tenham e sigam redes sociais e tenham como exemplos as perfeitas desta vida, se assim se sentirem melhor, mas tentem sempre olhar também para o espelho, sem comparação, com orgulho e utilizar só como fonte de inspiração para poder alcançar o equilíbrio.

Sejam mas é felizes, mesmo que com formatos e feitios diferentes!

Da Vossa Miss Criatura-Mais-Velha!