“O vício é, basicamente, o amor pelo fracasso.”
Elfriede Jelinek
Olá, olá! Hoje trago-vos outra pérola de coisas boas que se encontram a circular neste cérebro fantástico: os vícios.
Parece-me que não terei tanta coisa a dizer em relação a este tema como em relação aos outros, mas é um tema que me diz muito a mim e no qual penso muitas vezes, pelo que, meus caros amigos, quem queira ler e quem esteja a ler estas linhas por engano, cá vai disso.
Segundo o dicionário online Priberam, um vício é:
“nome masculino
1. Defeito ou imperfeição.
2. Prática frequente de acto considerado pecaminoso.
3. Tendência para contrariar a moral estabelecida. = DEPRAVAÇÃO, LIBERTINAGEM
4. Hábito inveterado. = MANIA
5. Dependência do consumo de uma substância (ex.: vício do álcool).
6. Erro de ofício.
7. Erro habitual no uso da língua.
8. Mau hábito ou costume que as bestas adquirem. = MANHA”
Portanto, um poço de virtudes e excelência contido numa palavrinha tão pequena.
Até há bem pouco tempo considerava-me uma pessoa sem vícios. Não fumo (nem coisas legais nem ilegais, o meu estômago lindo não aguenta), não jogo (nem jogos de sorte e azar nem videojogos, nada, não tenho grande paciência nem gosto por isto), não tenho redes sociais, não nada…supostamente.
Eu, como acredito que grande parte das pessoas, viveu e/ou vive rodeada de vícios, normalmente, só reparando no dos outros.
No meu caso, sempre convivi com pessoas fumadoras (tios, amigos…), ao ponto de aos meus dezasseis anos de idade ter sido questionada quantos cigarros por dia fumava, e eu ter dito que nem nunca tinha experimentado e ter levado um sermão porque a Sra. Dra. Médica que me questionou achava que eu estava a mentir e a ocultar dos meus pais, podia ser, mas não. Era verdade. Só experimentei tabaco aos meus 28 anos, e odiei. Só que tinha pulmões de fumadora por ser fumadora passiva. Na radiografia via-se como que uma nuvem preta até mais um menos um terço dos pulmões (agora nem quero ir espreitar esses meninos para não me assustar).
Pronto, e não fumei até essa idade e ainda hoje em dia não fumo, primeiro porque o meu tio me proibiu tinha eu 5 anos, e depois ele faleceu de asma quando eu tinha mais ou menos 13 anos…O que me fez pensar na vida e achei que não valia a pena pô-la em risco, ainda por cima a gastar e a cheirar mal. Ou seja, não tinha, não tenho, nem nunca tive o vício do tabaco.
Pessoas à minha volta, e mesmo familiares, consumiam e consomem drogas, mas, como o meu cérebro já não funciona muito bem, não tenho dinheiro para gastar nessas coisas e como não me apetece ser mais zombie do que já sou, então também foi coisa que também nunca me assistiu.
Jogos, como disse, nunca tive gosto por jogar, nem paciência, então, aqui a lindinha não tem o vício do jogo.
Tudo muito bonitinho e exemplar até aqui.
Eis senão quando, a dar lições de moral a uma amiga minha, a dizer que o tabaco é só um vício, que lhe fazia muito mal, que eu nunca na vida fumei e que ela tinha que ser mais forte, que tinha que fazer por deixar de fumar, e mais uns quantos conselhos de quem claramente era uma expert no assunto, porque já tinha visto muitas pessoas a fumar (enfim, quem nunca?), tive uma epifania: “tu também tens vícios e nada saudáveis, oh coisa fofa!”
Foi então que esta alminha que para aqui anda percebeu que tinha um vício desde pequena, no qual gasta dinheiro desnecessário, que lhe afeta a saúde, que põe em risco a sua vida, que altera o seu estado emocional como uma montanha-russa, que a faz descontrolar-se, que faz com que a sua autoestima fique praticamente a zeros, que só lhe traz maior sensação de cansaço e falta de vontade e de criatividade para fazer outras coisas, que a faz autossabotar-se vezes e vezes sem conta.
Esse vício chama-se comida. Sim, sim, um vício igual ou pior que os outros dos quais estava super orgulhosa por não os ter e com sentimentos de superioridade em relação aos outros que os tinham e que eram tão fracos, meu Deus, que não conseguiam controlar esses vícios horríveis, inconcebível tal coisa.
E não é que há pessoas mais entendidas que já pensaram no assunto e que me dão razão?
Embora ainda esteja em debate no meio académico da psicologia, já começa a haver quem identifique a compulsividade com a comida como um vício, até para poder começar a ajudar melhor pessoas que sofrem com isto. Teralyn Sell, psicoterapeuta, diz que "Se não consegue parar
de comer alguma coisa, come demais, fica ansioso sobre comer alguma coisa, ou
não consegue abster-se de comer, sentindo-se enjoado ou com desequilíbrio de
açúcar no sangue, isso é um vício".
No meu caso, a comida desde os meus 5 aninhos tem significados que podem ser muito bons: partilha, recompensa, descoberta, novas experiências. Mas, por motivos ocultos que ainda não percebi muito bem, a comida também sempre esteve ligada em grande parte ao sentimento de culpa por querer comer mais e mais, e comia às escondidas, para que ninguém visse o pecado mortal que estava a cometer, e comia o máximo que conseguia, até enjoar. E foi aqui que o gosto por comer se converteu num vício.
Hoje em dia como porque estou feliz e temos que comemorar, como porque vi algo novo que tenho que experimentar, como porque o dia foi difícil, porque o dia correu bem, porque estou com família e amigos, porque estou sozinha, porque sim, porque estou a ver TV e falta aquele petiscozinho, porque estou na esplanada e falta aquele pestiscozinho, porque tenho fome ou porque está aquela roeza que parece que falta algo grandioso na minha vida e esse algo grandioso não é nada mais nada menos do que comida (pelo menos é isso que o meu lindo cérebro decidiu guardar como verdade absoluta ou crença limitadora – sim, ando a ler umas cenas eu).
E para esclarecer, digo que como mas é comer mesmo, tipo até ficar a abarrotar e sentir-me mal comigo própria porque aquilo tudo era desnecessário e trouxe mais desvantagens do que benefícios.
Já cheguei a ter momentos em que estava menos bem e recorri à comida porque pensava que podia ajudar (recompensas imediatas, muito bom, desde que não se torne prática do dia-a-dia), mas, como não era isso que faltava na minha vida para ficar melhor, em vez de ficar melhor, ficava pior. A comida já nem sabia bem, nem dava prazer, nem recompensa nenhuma, imediata ou não, mas, como o cérebro associava a comida a uma recompensa e a algo que me deixava feliz (ativando o córtex pré-frontal esquerdo..elahhh), então recorria sempre à comida em vez de ir experimentar coisas novas, realmente boas e construtivas, para preencher o vazio ou o tédio mesmo.
E claro que a comida, em muitas ocasiões, vem acompanhada do álcool, em que eu pensava “ah, só um copinho ou dois” e acaba por continuar a beber até ficar tonta.
Comecei a odiar-me por isto. A ver-me como uma pessoa fraca e inconstante, com dietas e peso ioiô, sem energia, maldisposta, feia, gorda e sem força de vontade alguma.
E, perante isto, e considerando que sou exemplo para 4 crianças, sendo uma delas a minha fotocópia em ponto já não tão pequeno e a entrar numa fase crucial da vida (a adolescência, Deus me proteja e me guarde), decidi enveredar por outra via, concentrar-me mais noutras coisas e mostrar ao meu querido e maravilhoso cérebro que existem mais coisas que me deixam feliz para além da comida e álcool, para ver se começa a mandar novos sinais para o lado do cérebro que interessa.
Este é um meu 13.º dia de desafio zero por 30 dias(incluindo fins-de-semana e feriados) – nada de álcool, nem de comidas gordurosas, guloseimas e a comer mais coisinhas boas, caseirinhas e a tentar pensar e fazer outras coisas que não estejam ligadas à comida. Custa para chuchu porque são muitos anos a ir só por impulso nesta área da vida, mas está a começar a dar alguns resultados, vou fazer de tudo para que vire hábito e rotina. Desejem-me sorte.
Ups, afinal, o tema desenvolveu-se, mas espero que tenha ajudado alguém, pelo
menos a perceber que não está sozinho, que há solução (como nos restantes
vícios), mas que sim, custa, e que temos que ir insistindo de todas as vezes
que caímos para poder-nos levantar. Algum dia havemos de nos manter em pé sem
voltar a cair e aí começamos a desfrutar o caminho!
Da vossa Criatura-Mais-Velha!