domingo, 11 de maio de 2025

Tentativa #14 - Devil in Disguise: A Alegria

 "As nossas possibilidades de felicidade são assim limitadas desde o princípio pela nossa formação. É muito mais fácil ser infeliz."

Sigmund Freud


Como estão, meus desesperados do coração?

Eu por aqui ando bem, no meio dos meus desesperos e pensamentos desesperados diários. E no meio disso tudo, dei por mim a pensar num tema que me despertou o interesse porque, embora me pareça que se vai ouvindo cada vez mais sobre isto, ainda acho que é um tema que surpreende, porque é disruptivo daquilo que a sociedade nos tem vindo a empurrar goela abaixo.

Esse tema é a Alegria ou Positividade Tóxica.

Verdade, esta emoção tão boa e que toda a gente persegue e quer constantemente alcançar, pode ser péssima para a nossa saúde, da cabecita e do corpuxo.

E porquê perguntam vocês, como pessoas ansiosas e desesperadas que são, tal como eu.

Como é possível que uma emoção positiva (das básicas, até sendo a única considerada como emoção positiva) possa ter um efeito destrutivo e negativo?

Eu digo-vos como! Sim, que tenho lido e pensado e analisado esta questão curiosa. 

Primeiro, embora esta parte fuja um pouco daquilo que se tem vindo a considerar como sendo a alegria tóxica, um aspeto negativo da alegria é a falta de capacidade de foco e até de inteligência que por vezes sinto quando estou demasiado alegre (e não me refiro a quando tenho ajudas químicas para estar nesse estado).

Sim, é verdade, eu sinto e já constatei por meios próprios e diretos que quando estou demasiado feliz/alegre fico exponencialmente mais burra (ou menos inteligente, pronto), fico muito menos focada e só quero é estar a lourar a pevide e no bem bom.

Tudo o que sejam assuntos sérios ponho-os bem, bem longe, nesses momentos, evito falar com pessoas que me venham pôr a pensar com assuntos mais complexos, mesmo que sejam muito interessantes e que até goste e basicamente restrinjo-me a conversas em que o objetivo seja o volume de piadas e risotas por minuto que possa existir.

Fico também em modo não quero fazer nada que não seja estar a desfrutar desta sensação, o que significa que a preguiça (que até é o meu animal espiritual e tudo) venha ao de cima com toda a força, o que significa que não há exercício físico para ninguém. O que faz sentido, porque, em princípio, quando se está com a "sensação plena de felicidade/alegria" não precisamos de nada mais, portanto, o cérebro fica no bem-bom e não quer sair de lá.

Fico em modo bobo da corte, portanto.

Se gosto? Gosto, muito, se pudesse ficava nesse estado de burrice alegre o máximo de tempo possível. Se posso? Não posso, não...até porque o meu trabalho não permite e ficar nesse estado de forma constante provavelmente seria indicativo de que deveria já tratar do meu cantinho no Júlio de Matos.

Depois temos o que de há uns tempos para cá batizaram de "Alegria Tóxica", sim, nesta nova era tudo o que não gostamos e é "perigoso" batizamos de "tóxico", já esgotaram os outros adjetivos.

E o que é isso de Alegria Tóxica afinal? É o resultado de uma sociedade que nos quer a todos alegres e a ignorar os problemas e os sentimentos menos docinhos.

É aquela conversa que se encontra em qualquer página de rede social motivacional ou mesmo em slogans de instituições públicas e privadas em que encontramos frases como "Tudo vai ficar bem" (por vezes acompanhado de um arco-íris...faz-vos lembrar alguma coisa?), "Tem pensamentos positivos que tudo o que mais queres  vai-se concretizar só por isso", "Força o sorriso que o resto acontece por si" e coisinhas fofas, giras e docinhas desse género.

Também encontramos esta conversa com amigos e no seio familiar, quando estamos a desabafar as nossas angústias e sobretudo se essas angústias e desesperos se começam a prolongar um pouco mais do que o politicamente correto (que é tipo 5 minutos por mês ou assim), começam a surgir respostas para abafar isso tudo como "Vais ver que vai passar", "Tem calma que já passei por isso e resolvi, por isso tu também consegues", portanto, basicamente, "Cala-te lá que estás a estragar a vibe". 

Atenção, nem sempre estas frases cliché surgem somente para deixar de ouvir queixumes. Às vezes surgem porque do lado de lá já não têm mais meios nem ideias para nos ajudarem e resta a cartada da tentativa de consolação e de dar uma esperança mesmo que vazia de sentido. 

Eu compreendo, também faço isso, não me vou a armar em boa (porque já sou mesmo, estou a brincar, vá, vocês já leram as Tentativas anteriores...não me deixam mentir). Mas por vezes mesmo com esta boa intenção, certo é que se abafam sentimentos e emoções que a pessoa que está a falar conosco precisa de deitar cá para fora (como nos aconselhava aquela publicidade antiga da TMN - atual MEO - Meo Deus, estou mesmo a ficar uma criatura bem velha).

Sei que gera não só desconforto ouvir alguém a expor sentimentos e emoções negativos, de expor os seus problemas, de ver pessoas a chorar ou a desesperar e não saber o que fazer, como às vezes se torna mesmo chato, porque uma pessoa quer é estar descansadinha e a sentir boa vibe e não a aturar o chato a queixar-se (sou eu muitas vezes esta última personagem). Mas a diferença entre abafar a conversa e deixar a pessoas falar abertamente, sem se sentir criticada ou deslocada por não estar feliz, cabe na tal diferença entre empatia e simpatia (aconselho que vejam este vídeo para se perceber melhor esta diferença, tem só 5 minutos e é com bonequinhos e tudo - https://youtu.be/KZBTYViDPlQ?si=s0O8YMacvI6x9y8o), e que pode fazer a diferença na vida da pessoa, podendo até encontrar alguma solução verdadeira só de estar a conversar sobre o assunto, ou mesmo perceber que afinal aquela emoção negativa não tem que estar tão forte e que não é assim tão grave o que se está a passar. 

Portanto, temos a  "alegria tóxica" como a procura e imposição incessante de positivismo, que obriga, por contrapartida, a suprimir tudo o que sejam emoções negativas e as suas variantes e vizinhas (como a tristeza, a raiva, o medo e o nojo - sim, o nojo, porque com a positividade tóxica temos que gostar até do que não gostamos, que é para não quebrar a cena). 

Esta crença ou obrigação social atual leva a uma procura desesperada de algo que não existe: a felicidade permanente e eterna, sem interferências ou apagões (é quase uma caça aos gambozinos). O que, por sua vez. prejudica, e bem, a nossa rica saúde mental e física, porque nos provoca mais stress, mais ansiedade e mais depressão, não só pela repressão das emoções como a pressão de ter como única emoção válida a alegria (sempre me irritou a Alegria do filme DivertidaMente, agora já sei porquê).

Portanto, concluindo, tanto para o nosso bem, como para podermos evoluir e sermos pessoas minimamente equilibradas temos que tentar equilibrar as nossas emoções, tanto as positivas como as negativas, porque, tal como já nos ensinavam os antigos, tudo o que é demais enjoa e faz mal (até água a mais faz cirrose, portanto, agora pensem...).

Bora então ser felizes q.b. e começar a abraçar as outras amiguinhas que vão surgindo, não para as ter como gémeas siamesas mas para tirar proveito de cada uma delas em cada momento, sempre tendo como foco a nossa saúde e a dos que nos rodeiam (há alergias alimentares, penso que também poderá haver alergias emocionais, por isso, temos que ter atenção aos consumos excessivos, acho que é uma metáfora do caraças esta, fogo!). 

Espero que tenham gostado e que vos tenha feito algum sentido toda esta conversa, se quiserem dizer da vossa justiça, estejam à vontade, como sempre.

Da vossa emocional Criatura-Mais-Velha!