domingo, 22 de junho de 2025

Tentativa #20 - Pais e filhos

“Criar filhos é a coisa mais fácil do mundo quando se opina, mas a mais difícil de se fazer”

Matt Walsh

Eu considero que tive e tenho uma ótima relação com os meus pais, mesmo na adolescência, mesmo com algumas perdas de paciência e arrependimentos de palavras e de ações que tanto de uma parte como da outra existam.

Os meus pais não me deram muita liberdade para andar por aí a vadiar, se calhar por isso hoje em dia sou mais caseirinha e não tenho paciência para grandes avarias (e acho que o meu fígado lhes estará eternamente grato, que pelo menos até aos 18 anos esteve praticamente alcohol free). Em troca, deram-me muita atenção e lições de vida que ainda hoje em dia me servem de base e que fizeram com que não fizesse tantas asneiras e que fizesse umas quantas de forma um bocadinho mais consciente.

Lembro-me de risadas todos os dias com os meus pais, e com a minha irmã, lembro-me de conversas íntimas com a minha mãe e de conversas profundas e filosóficas com o meu pai (que normalmente tinham lugar tarde e a más horas, e que tinham como som ambiente a minha mãe a implorar para irmos para a cama e para pararmos de uma vez com o barulho, bons tempos…) e lembro-me de uma coisa que todos os meus amigos viam como uma aberração: contava TUDO aos meus pais (e ainda hoje conto). Mas quando digo tudo era tudo, tipo tudo. E contava normalmente primeiro à minha mãe que dizia logo a célebre frase "agora vais ter que contar tu ao pai", o que usualmente acontecia depois de ter contado que tinha feito alguma porcaria. Era uma agonia, admitir o erro, admitir a asneira, ser responsável por ela e assumir o castigo que eventualmente surgisse (às vezes não surgia, porque, normalmente havia sempre uma segunda chance e eu não era parva o suficiente para não a aproveitar…resumindo, havia asneiras, mas normalmente não as repetia), mas lá ia eu contar ao meu pai, que só de olhar para o meu ar já sabia que vinha “bomba”.  

Penso que isto tudo me fez ser sempre um ser muito consciente das merdas que ia fazendo e de admitir logo que as tinha feito e assumir as consequências. Ainda hoje sou assim. Faço a asneira, apercebo-me da asneira, vou correr pedir desculpas, por vezes sou desculpada, outra vezes a asneira é grande demais e não tem desculpa, mas faço de tudo para a não repetir seja qual for o resultado.

Não consigo ser Chica-Esperta, graças aos meus pais, porque não consigo fazer cenas pela calada. Tem partes boas - sou muito lindinha e honesta - mas tem partes más - às vezes dava-me jeito não ser tão honesta mas não consigo, até porque quando tento faço uma cara muito pouco subtil, tipo uma mistura de olhinhos de carneiro mal morto com ar de quem está a tentar ignorar alguém na rua mas em que acaba por dar de caras.

É bom, sim, objetivamente, é bom ser-se assim, mas na vida adulta, sobretudo, dava jeito não o ser, às vezes, só às vezes…

Isto é na vida de Criatura-Mais-Velha como filha. Fui uma filhinha que deu poucas chatices, ou então uma filha de pais com memória curta, porque é o que os meus pais transmitem, que não dei muito trabalho (só era chata, mas isso, enfim, nada a fazer).

Agora na vida de Criatura-Mais-Velha como mãe...Ui! Isso é que é lindo de se ver...

Dou por mim muitas vezes a pensar "se calhar não era má ideia ler livros sobre como educar crianças e seguir influenciadores que defendem a teoria da parentalidade positiva e aparentemente a aplicam".

Muitas vezes consigo parar e respirar fundo antes de explodir, e não vou negar, por vezes fico orgulhosa da minha postura perante o caos que volta e meia se instala por diversos motivos (a título de exemplo, porque a minha paciência está mais parca do que o sentido que tem o julgamento dos Anjos contra a Joana Marques, porque estou de TPM, porque são quatro pessoas do sexo feminino a lidar umas com as outras, porque estou de TPM, porque estamos cansadas e com sono, porque há saudades da mãe biológica, porque há saudades de estar sossegada em silêncio, porque naquele dia não se gosta da comida de que sempre se gostou e até se pediu para repetir o prato, porque não as deixo ajudar, porque lhes peço para ajudar...Enfim, podia estar aqui uma tarde inteira a teclar que não terminava de dar exemplos dos gatilhos que levam a que a pouca paciência e diplomacia existente de repente desapareçam mais rápido do que camarão com 80% de promoção).

Quando tive a minha filha eu pensei: "Epa, isto se calhar até nem vai ser a coisa mais difícil, treinei com a minha irmã, a minha mãe diz que eu tenho muita "psicologia para lidar com crianças", eu vou conseguir ser uma mãe fixe e descontraída, vou praticar parentalidade positiva, porque não é suposto gritar com os miúdos e porque nós é que somos os adultos e eles são crianças e é normal quererem testar limites e ver até onde podem ir e como podem ter as coisas que querem..." Toda uma mão cheia de pensamentos lindos e maravilhosos. Uma série de sonhos e de expectativas que simplesmente não aconteceram! Ahahah quem diria! Eu não sou perfeita? Nah, impossível, se eu faço tudo pelos miúdos, se eu os ouço e quero ajudá-los.

É, muito giro. Mas nesses pensamentos lindos cheios de arco-íris e borboletas e unicórnios em que pensava que criar crianças era peanuts, esqueci-me de pequenos pormenores como os que passo a listar:

  • Sou humana, e uma humana com parca paciência;
  • As pessoas mudam, e, felizmente mudei coisas para melhor, mas, infelizmente, sei que mudei outras para pior (e quem lida comigo no dia-a-dia é que atura estas coisas, até um dia se fartarem, vamos fazer figas para que seja num futuro muito longínquo, porque gosto muito das pessoas que me aturam no dia-a-dia);
  • As crianças precisam de ser crianças e não peluches fofos que não fazem nada de mal;
  • Que há dias em que nem sequer nos apetece comer a nossa comida favorita, nem fazer o que mais gostamos, quanto muito estar a lidar com o caos e com as responsabilidades todas ligadas a tratar de crianças;
  • Que este último fator se aplica a crianças, que, embora não comprem nem façam a sua comida, têm dias em que não lhes apetece simplesmente comer o que têm à frente no prato, sendo esta uma coisa que parece simples, mas difícil de lidar (se deixas que não comam estás a deseducar, se forças estás a fazer algo que não gostarias que te fizessem…enfim…mais um dilema no meio de tantos);
  • As pessoas, mesmo as pessoas pequeninas, não têm empatia com todas as demais pessoas, e haverá momentos em que só nos apetece mandar-nos mutuamente para certos sítios;
  • As crianças têm gostos diferentes dos nossos e pensam por si (embora precisem da nossa orientação para poder estruturar os pensamentos e as escolhas da melhor forma, só assim para poderem ir sobrevivendo, evitando pôr os dedos na tomada e facas nos olhos ou assim);
  • O que resulta num dia no outro pode não resultar e temos que apagar tudo e criar uma nova solução para a mesma situação (esta parte para quem gosta de escape rooms do demo é muito bom, aguça o engenho e a arte de usar o cérebro);
  • Há dias em que só nos apetece estar no nosso cantinho (aplicável a crianças e adultos) e nem sempre nos apetece fazer a nossa rotina ao ritmo dos outros, o que pode ocasionar birras (aplicável a crianças e adultos).

Com a idade que tenho já tenho amigas e amigos com filhos. E, claro está, falamos destas questões, já lhes expus até à exaustão as minhas opiniões e medos em relação a criar pessoas pequeninas, e já me cruzei com vários entendimentos, uns mais rígidos e outros mais liberais em relação a este tema...

Tenho amigos que efetivamente engoliram todos os livros sobre como criar crianças sem exaltações e gritarias, e dentro deste grupo tenho alguns que conseguem (ou dizem que conseguem, que não estou lá para ver, graças a Deus, porque já me basta o meu caos, agradecida) aplicar efetivamente o que leram e que qualquer um consegue e que é só uma questão de esforço e de hábito; e depois tenho outros amigos que admitem que leram mas que não conseguem aplicar, e que até já queimaram os livros e fazem simplesmente o que lhes dá na gana, sem querer saber da opinião dos outros.

Existem outros que nem sabem bem o que é ter filhos porque feliz ou infelizmente têm uma rede de suporte tão ampla e constante que o ter filhos é quase um hobbie (um hobbie muito querido, mas que não deixa de ser hobbie porque só o fazem nos tempos livres).

Por fim, há outros (dos quais penso fazer parte) que tentam ir fazendo o melhor possível, um pouco com os ensinamentos dos pais, um pouco com o que leram, a corrigir certas situações com as quais não concordavam na sua própria educação, e que gritam, e que dão mimos, e que se sacrificam pelos filhos, mas que tentam manter o seu espaço para ser eles próprios crianças e pessoas normais e para poder namorar e dizer à pessoa que está ao lado o quando o amam, mesmo que às vezes na correria do dia-a-dia, o cansaço e os pequenos traumas do passado e do presente os atormentem. Estes pais que tentam não prestar demasiada atenção a tudo o que se tem a dizer quanto a este tema para não dar em maluquinhos, mas que, no final do dia, acabam a sentir-se mal, incompetentes como pais, tristes e preocupados de estar a fazer mal aos filhos sem querer.

E isto porquê? E quem segue este entendimento, por favor não me levem a mal, mas é a minha opinião...A culpa é daqueles que passam a imagem da perfeição (tal como acontece nas redes sociais em relação ao físico e ao estilo de vida e à felicidade e alegria constantes, aqueles aos quais já desejei coisas menos boas ligadas com Legos e assim...), há pessoal por aí apregoando que os pais só são bons se pensarem nos filhos como Deuses que não se podem enervar, nem frustrar, nem ouvir gritos, nem sofrer consequências daquilo que andam a fazer, que não eles são crianças e que não nos estão a desafiar, que eles simplesmente não se sabem fazer entender, porque eles próprios não se entendem…

Concordo em parte, por exemplo, concordo com facto de os miúdos serem só miúdos ainda com muito para aprender e muita coisa com que se frustrar e com que nos frustrar a nós, e que devemos ter paciência nesta parte, porque às vezes nem nós sabemos que caraças se passa connosco e já levamos mais anos nisto, quanto mais uma criança que mal está a aprender a escrever e a ler e a ter algumas responsabilidades na escola, e a conhecer o seu corpo e quem tudo é da sua cor e do seu sabor favoritos.

Mas por outro acho que tem que existir regras e que as crianças têm que se frustrar e estar entediadas, sim, senão vamos ter um mundo ainda mais caótico e auto e hétero destrutivo do que já temos! Temos que saber dizer não e a ouvi-lo também (mesmo que doa um e outro). Eu sei que ninguém ou quase ninguém gosta de regras, porque todos, mesmo os pequeninos gostam de liberdade e as regras vêm tirar parte dessa liberdade, mas também nos ajudam a respeitar os outros…

Enfim, olhem, aquilo que eu sei é que continuo a dar em louca de vez em quando, e a pôr os outros loucos também, mas no meio desta loucura toda, só espero que aqueles que ando a tentar criar sejam gajos porreiros, que respeitem minimamente os outros, que saibam que as coisas (boas e más) não caem do céu e que são resultado do que fazemos, que temos que arcar com as consequências dos nossos atos e que, acima de tudo, mesmo, mesmo, para não pirarmos de vez, temos que tentar ver sempre o lado positivo das coisas e ter sentido de humor mesmo que estejamos a chorar por dentro e por fora, porque o humor cura tudo (ou pelo menos ajuda a que não machuque tanto…).

Fui!

Da Vossa Criatura-Mais-Velha.