domingo, 9 de março de 2025

Tentativa #5 – Homens, Mulheres, Felicidade e um filme chamado “Canina”.

 

Se falares a um homem numa linguagem que ele compreenda, a tua mensagem entra na sua cabeça. 

Se lhe falares na sua própria linguagem, a tua mensagem entra-lhe directamente no coração.” —

Nelson Mandela

 

Então, há cerca de um mês vi um filme que achei brutal. Não só no aspeto do desenredo e conteúdo, mas em particular pela experiência que foi vê-lo com o meu marido.

 O filme, como o título desta Tentativa já deixa adivinhar, é “Canina” (ou, no título original “Nightbitch”) e, basicamente (e para não ser essa pessoa que não pensa nos outros e vira spoiler), “Canina” é um filme baseado no romance de 2021 de Rachel Yoder, e trata-se da história de uma mulher que interrompe a sua carreira após ter um filho, assumindo o papel de dona de casa e mãe a tempo inteiro, enquanto o seu marido está muitas vezes ausente, devido a longas e frequentes viagens de negócios, e nesta nova fase da vida desta mulher o estresse começa a afetar a sua sanidade mental (o resto, se quiserem saber, vão ver o filme, oh xâxabor, sobretudo em casal, que aumenta a experiência da coisa, e sobretudo – mas não só – se forem mães desesperadas como esta que vos escreve em jeito de desabafo).

Como disse, a parte mais interessante de ver este filme foi vê-lo com o meu marido. Isto porque enquanto eu acenava em concordância quase plena com o que se ia passando no filme e com o que dizia visceralmente a personagem principal (interpretada por Amy Adams), o meu marido mexia-se e remexia-se, incómodo no sofá, a olhar para mim, com um olhar preocupado, enquanto perguntava: “Isto é mesmo assim? É isso que sentes? É assim que te vês?” (como marido fofinho e cuidador que é – não, não é sarcasmo, nem tudo na vida me cria desespero, vamos lá ter calma também, caso contrário este Blog estaria a ser escrito no Júlio de Matos e não no conforto da minha sala de estar).

Eu ia-lhe respondendo que sim.

Que não estava nesse estado de desespero total da personagem de Amy Adams, e que graças a Deus ele não era um marido otário como o dela, mas que sim, que era muito aquilo que estava refletido no filme o que eu sentia e que muitas vezes, por um motivo ou por outro não conseguia admitir e dizer em voz alta.

Ao longo do filme e depois desta reação do meu marido (que o viu até ao fim por insistência desta coisa linda que aqui está a teclar) comecei a analisar melhor não só a sua mensagem, como o que estava a surgir da conversa, experiência e reações paralelas dos dois espetadores do “Canina” naquele momento.

O filme, teve a importância que teve e me afetou da forma que o fez, porque se trata não só do papel da mulher e do homem na sociedade, também como mãe e pai, como reflete também as culpas no cartório de ambos os membros do casal quando a coisa não corre como planeado quando damos o “Sim” e prometemos que é amor para a vida toda.

Na situação do filme em concreto, identifico-me quase totalmente com a personagem principal porque ela está mais de metade da história numa angústia e exaustão tremenda, sentindo-se presa, impotente e incompetente em todos os papéis que “interpreta” na sua vida. A única coisa que guia a vida da senhora é o filho, o marido só de vez em quando está presente (graças a todos os santinhos o meu já não viaja tanto e nesta parte já não me identifico), ela finge que está sempre tudo encarrilado, e as poucas vezes que decide desabafar (interior ou externamente) ninguém a compreende – sobretudo as outras mães, que a olham de lado, com ar reprovador perante as suas queixas, quando ela deveria achar tudo perfeito…

O marido parece não compreender o que se passa. Ela fica completamente frustrada, deprimida e com sentimentos de raiva e desespero perante um marido tão incompreensivo.

Toda a envolvência e desenvolvimento do filme, fez-me cogitar no seguinte:

1 - Estamos numa sociedade de supostas mães perfeitas, em que mesmo que te apeteça fugir e gritar e desistir de tudo e de todos, para fora, o que tem que sair quando te perguntam se está tudo bem e se estás a adorar a maternidade, como todas as outas mães deste mundo, a resposta tem que ser inevitável e somente um redondo “Sim”, sem espaço para mais nada, a não ser que seja para acrescentar que segues e respeitas todas as regras dos gurus da obstetrícia, pediatria e educação infantil do planeta Terra e arredores;

2 – Há uma sensação de desespero ao longo do filme, pelos diálogos entre o casal, pela aparente repartição entre os membros do casal dos cuidados, preocupações e responsabilidades perante o seu filho, na possibilidade de cada um dos membros do casal viver a sua vida. Dessa sensação de desespero e de empatia com a personagem principal, chega-se a estar somente na “equipa da mãe” e a desprezar a “equipa do pai” (como se atreve este homem a não perceber o que se passa e está “mesmo debaixo do seu nariz”? Que astúcia a dele a fazer-se de desentendido, não é?).

Quanto ao primeiro ponto, identifiquei-me de forma indubitável (acredito que tal como 99,9% das mães que vejam o filme), já que nesse ponto se reflete a falta de coragem em admitir o que se sente realmente quanto à maternidade, quanto a todas as demais responsabilidades que vêm com esse novo estado de graça e quanto à mulher que nos tornamos vs a mulher que deixamos de ser assim que chega o novo ser, que levamos durante 9 meses na barriga e nos muda literalmente do cabelo até aos pés, por dentro e por fora, e que por vezes nos cria dúvidas quanto às nossas escolhas de vida.

Mas, consegui também aperceber-me ainda mais (sim, que já sérias suspeitas pairavam neste cérebro quanto a esta questão) que nós, mães, ficamos assim, não porque somos vítimas do patriarcado, ou porque os outros ou a sociedade, a isso nos obriga, mas porque nós próprias como mães-mulheres-esposas-trabalhadoras que somos nos pressionamos para tal, e pressionamos as outras mães para seguir essa via (consciente e inconscientemente).

Não acham? Olha aquela mãe que comete o pecado mortal de se queixar das horas de sono perdidas, do cansaço, da vontade de voltar à vida de outrora em que podia aventurar-se e explorar sem ter de tomar conta (por vezes a 100% do seu tempo) de um ser, sem saber bem o que se anda a fazer…Olha a mãe que tem o descaramento de dizer que deu o alimento errado na fase errada à criança…Olha a mãe que diz às outras amigas/conhecidas (mães ou não mães) que deixa a criança com os avós para poder ir namorar com o marido, ou simplesmente para poder descansar e ser de novo só ela, como mulher, ou com a sua criança interior somente a ser, e a fazer o que bem lhe apetece durante esse período – a ser ela como pessoa e não como outra coisa qualquer estereotipada!

Essa mãe que se atreve, aliás que se atreve não, que OUSA (!) desabafar perante as outras mães, que sentem também isso tudo mas que não podem dar parte fraca e parece que ficaram encarregadas, não se sabe bem por quem, logo no momento do parto (e às vezes antes mesmo disso) de proibir as outras mães de não serem e/ou não quererem ser mães perfeitas (porque isso não existe e só nos deixa mentalmente cansadas e deterioradas), e querem ser só mães, dar carinho e cuidar do rebento, ao invés de ser apoiada ou ao menos minimamente compreendida pelas outras que passam pela mesma travessia levam com lições de moral e de "caráter científico", até, de modo a que a mãe que desabafa e não sente 24/7 as maravilhas da maternidade se sinta péssima com ela mesma e pense que o filho estaria melhor a ser criado por lobos. 

Essa mãe que ousa desabafar e queixar-se da vida é crucificada e leva com o carimbo de “pior mãe de sempre” ou pior “de mãe egoísta ou mesmo narcisista” – realmente, como se atrevem em pensar nelas próprias, não é? Sacrilégio desta vida, não compreendo...

Ou seja, o que retiro daqui é que as maiores críticas e apontamentos de dedos vêm de quem já passou ou está a passar por esse estado de desespero, mas não quer admitir, e quer passar a mensagem de que é facílimo e que se as outras não conseguem é porque não se esforçam e não se sacrificam como elas! Tudo supostamente para o bem dos pequenos (muitas vezes não correspondendo este último ponto à verdade, porque o que pretende é levar o prémio de melhor mãe de sempre e de todos os tempos). É incrível pensar nisto! Como a falta de empatia pode chegar a esse ponto? Como a falta de empatia em prol das aparências pode levar algumas pessoas a preferirem negar o que são e como se sentem para parecerem perfeitas, em vez de ajudar e apoiar quem está a passar pelo mesmo. Ficam assim um monte de pessoas a sofrer em silêncio, com um sorriso pintado na cara, mas com a alma cheia de frustração, sentimento de culpa e cicatrizes…Não consigo compreender…

Isto quanto ao primeiro ponto.

Em relação ao segundo ponto, o que já me tinha apercebido, mas fica preto no branco neste filme, e me fez pensar ainda mais neste assunto, é que quando te tornas mãe-mulher-esposa-trabalhadora parece que te colocas um fardo em cima, sem mais.

O que quero dizer com isto, é que parece que assumes, que TU assumes, mesmo que ninguém o exija, um fardo enorme e uma necessidade/obrigação de seres basicamente uma supermulher. Uma pessoa que tem que estar sempre a 100% a tratar de tudo, sem ajuda. Mas que depois leva a mal porque sente que ninguém a ajuda, que ninguém a compreende, que tudo lhe cai em cima dos ombros e que ela tem que se aguentar, mas que o mundo (sobretudo o marido, ou companheiro que está ao lado), tem simplesmente que perceber que isto tudo se está a passar dentro da tua cabeça e que essa pessoa já deveria estar a fazer a “sua parte” e ajudar em tudo, sem que seja necessário pedir…

Mas como se pode exigir isto de quem está ao nosso lado, se fomos nós que colocamos todo o encargo do nosso lado e se nós próprios não percebemos o que se está a passar e não transmitimos mais do que suspiros pesados e revirar de olhos?

Atenção, que obviamente há pessoas que percebem o que se passa e fazem-se só de tolos para não terem trabalho, não sou assim tão iludida. Falo aqui de situações em que partilhamos a vida com pessoas minimamente trabalhadoras e com o mínimo de espírito de sacrifício e de respeito e carinho por quem partilham a vida e que querem manter uma relação com os mínimos de salubridade mental e física.

Numa situação como a que falo, parece-me que o segredo para que as coisas aconteçam minimamente bem e sem que nenhum dos elementos do casal dê em louco, passa pelo seguinte (servindo o que de seguida se escreve para ambos e não só para as mulheres-mães desesperadas):

- Primeiro, ganhar finalmente consciência de que a pessoa que está ao nosso lado, está ao nosso lado e não dentro da nossa cabeça (coitado se estivesse…Deus o livre);

·  - Segundo, que muitos dos nossos problemas e frustrações, fomos nós que os construímos, criamos, imaginamos ou deixamos que entrassem na nossa vida, e, portanto, a pessoa que está ao nosso lado não é culpada nem tem que pagar pelos nossos pecados;

·   - Terceiro, que a pessoa que está ao nosso lado tem que ajudar, sim, como nós a temos que a ajudar a ela, mas que, para isso temos que aprender a falar, a dizer o que se passa connosco (primeiro devendo descobrir o que se passa cá dentro, ou pelo menos começar a ter uma ideia disso), a transmitir de forma correta e com respeito o que se passa, e, pior disto tudo: pedir ajuda! (sim, o bicho de sete cabeças! Pedir ajuda. Correr o risco de haver pessoas que nos achem fracos, de nós próprios nos acharmos fracos, mas pensem que isto será sempre em prol de uma vida mais plena a dois e com a “saúde mental mais saudável”).

Nas relações entre homens e mulheres, parece-me que tem de haver ainda um extra…tal como concluo que as mulheres têm que começar a usar palavras para que os homens compreendam o que se passa e não esperar que eles compreendam os sinais mais ou menos subtis que lançamos – porque os homens não vão lá com sinais, que às vezes nem conseguem ver, quanto mais interpretar -, concluo também que os homens devem começar a ouvir as palavras  que as mulheres usam para explicar o que se passa, e não só 10% das mesmas, porque senão não funciona.

Assim, acho que descobri parte do segredo para que a coisa se dê minimamente bem, e para ter relações saudáveis (connosco e com os outros), mas ainda estou só a descobrir o que se passa e a tentar passar da teoria para a prática, e não é nada fácil, nada mesmo…É que isto de ser mais consciente de mim e transmitir melhor as coisas, exige o cérebro a funcionar o dobro, quando nem sequer normalmente ele quer trabalhar como deve ser…Mas vou continuar a explorar esta matéria porque os resultados valem a pena (sim, já começo a ver alguns, vá lá) e vou colocando aqui mais conclusões, desabafos e desesperos sobre o assunto.

Concluindo e enviando uma mensagem para todos e todas e todes: Falemos mais, sem medo, com respeito e pensando antes de largar as palavras todas de uma vez, que elas depois não voltam e podem dar grandes problemas em vez de os resolver, ou evitar, e podem magoar pessoas de quem gostamos e a nós mesmos, que ficamos num arrependimento terrível e interminável. Tenhamos mais empatia uns com os outros e aprendamos a calar a boca se não nos estão a pedir opinião ou conselhos, lembremo-nos que cada um está a dar o seu melhor (ou o que acha ser o seu melhor). Sejamos melhores uns com os outros a ver se este mundo de loucos passivo-agressivos, passa a ser um mundo de loucos felizes e contentes desta vida!

 

Da vossa Criatura-Mais-Velha!

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