segunda-feira, 5 de maio de 2025

Tentativa #13 - Luto e Saudades

Os mortos são uns invisíveis, e não uns ausentes."

Victor Hugo

Ontem foi um dia carregado de significado. Foi Dia da Mãe, foi o aniversário do meu cunhado (recém-chegado ao clube dos trinta, parabéns, que as dores e sons estranhos a agachar e a espreguiçar comessem!) e, por fim, seria o aniversário do meu mais velhote adorado, o meu Abuelito lindo.

Se fosse vivo o meu Abuelito teria a maravilhosa idade de 90 anos!!! 

Infelizmente o meu Abuelito partiu em 2007. Mas deixou bem a sua marca cá na Terra e nos corações de quem o conheceu! O JJ como era conhecido por todos era aquele velhote bem-disposto e brincalhão que todos queriam ter ao lado, mesmo que às vezes fosse muito chatinho quando havia um copicho ou dois a mais na cena.

Era um senhor, diria eu, de cerca de 1,80m altura (mas eu lembro-me dele como se tivesse 2,50m!), com bigode à "mafioso mexicano", sempre bem cheiroso, que fazia cara de mau, mas que era só a cara mesmo. Que tinha a alma livre, curiosa, brincalhona, ciumenta (de mim sobretudo quando eu apoiava o meu pai nos jogos de dominó que duravam a tarde e noite toda, e que eu achava uma graça tremenda - eu era a super anotadora de pontos e dava mais cinco a quem ganhava, que normalmente era o meu pai). 

O meu Abuelito fez parte da minha infância, e mesmo que à distância, fez parte do início da minha adolescência, tratava-me por "Palomita" e fazia-me sentir das crianças mais especiais que tinham por aqui passado. Para além dos miminhos infinitos e das vezes tantas que me fazia rir e que me ajudava com os trabalhos de matemática, oferecia-me guloseimas e uma iguaria que ainda hoje é a minha perdição: rolinhos de fiambre com maionese!

Sei mesmo e por conhecimento próprio que o meu Abuelito gozou a vida ao máximo, e por isso, o lembro com o sorriso rasgado na cara e com a felicidade de ter podido tê-lo como companheiro, como exemplo (para o bem e para o mal, que também é preciso) e de ter passeado imenso com ele, a ouvir a sua gargalhada contagiante e a rir dos disparates e palhaçadas que fazíamos (tipo guerra de pedras de gelo e perucas de algas do mar, deitar-se na relva enquanto havia um trânsito infernal à pala de uma derrocada, dentre outras tantas) e de me ter dado a conhecer as músicas dos Mariachis mais arrechos de sempre (Orale, mano!).

Antes da perda do meu Abuelito, o primeiro contacto que tive com a morte foi com o falecimento da minha Abuela, mãe do meu Abuelito, de cabelinho todo branco, olhar malandro e doida por manga e açúcar (dizia que não comia manga, estando toda ela em estado amarelo). 

Tinha eu cinco anos, estava na escola quando me foram buscar muito cedo e me foram entregar na casa de uma tia-avó e fiquei dois dias a brincar com os meus primos... Não tinha percebido o que tinha acontecido. 

Quando me contaram fiquei mesmo triste. Triste de não me ter podido despedir, triste de ter perdido aquele miminho ansioso, que mesmo sem saber pronunciar bem o meu nome, se sentia no colinho e miminho dela que o amor por mim era absoluto e incondicional (ainda me lembro de a ouvir no terraço a chamar-me assim que me ouvia chegar "Menina, menina, anda cá a abuelita").

Depois, a perda que me custou mais foi a do meu Tio. 

Bem, o meu Tio era aquele tipo super bacano, que vivia o presente e só depois é que se preocupava com o amanhã, se tivesse que ser. Ajudava toda a gente e depois pedia ajuda à mana mais velha, claro (não servimos nós para outra coisa, e o pior é que gostamos). Era uma das pessoas mais alegres, brincalhonas, malandras e trapaceiras (no bom sentido da palavra) que eu já conheci na vida. 

Fazia-me trinta por uma linha, e depois quando eu dizia a célebre frase "Mãe, olha o tio!" ele dizia logo "Não foi nada, não foi nada, está tudo bem!", e pronto, a minha mãe ria-se e nós também, porque a relação dos dois era mais de irmão e irmã do que de Tio e sobrinha. Era mesmo muito bom, para além das brincadeiras e das gargalhadas, o meu Tio (e o irmão mais novo que eram como unha e carne) enchia-me de presentes e guloseimas às escondidas da minha mãe e ensinava-me "malandrices brancas", tipo pôr álcool etílico no perfume do mano, para que não percebesse que o perfume estava a ser usado sem permissão e sem juízo nenhum. Era o máximo, adorava esse meu Tio, mesmo um bacano, sabem? Aquela pessoa que estás à espera que chegue para que a festa comece, era ele.

Foi o meu Tio que me fez nunca fumar (embora ele fumasse sei lá quantos cigarros Marlboro Vermelho por dia, que ia comprar na padaria que ficava mesmo em frente à casa dos meus avós) e que me fez gostar de pessoas descontraídas, de mecânica e de Cumbia e Vallenato, que me fez perceber que temos que ter atenção aos nossos limites mas que, sobretudo, temos que aprender a viver o presente e o dia-a-dia o melhor possível, porque nunca sabemos quando acaba e o que importa é deixar em quem fica  e levar connosco, seja para onde for que vamos a seguir a isto tudo, a alegria de nos termos cruzado neste mundo, mesmo que por aquilo que pareceu um microssegundo.

A seguir foi o meu Avô paterno a partir. De infância não tenho muitas memórias com ele, porque ele morava em Portugal e eu na Venezuela, mas as que tenho são mesmo boas. Uma paciência extrema para as brincadeiras de uma criança chatinha e irrequieta, mas com montes de piada, claro (euzinha)! Lembro-me de ficar na casa dos meus avós que era no campo, e de ter sido lá que pela primeira vez senti o fresquinho da manhã com cheirinho a árvores, relva molhada pelo orvalho e natureza mesmo (também onde vi um coelho ser esfolado, mas pronto, faz parte...contraste entre campo e cidade, que também faz bem ao caráter!). Foi com o meu Avô que fiz vindima, pisei as uvas e provei o aguapé (que não é aguapé, é a fase antes, que não me lembro o nome, portanto, vamos só deixar assim) e que apanhei figos  e outras frutas boas e meio Frankenstein que ele criava diretamente das árvores.

Era felicidade o que via nos olhos do meu Avô quando me via a mim e à minha família, mesmo quando já estava acamado e sem perceber muito bem o que se estava a passar à sua volta. Para nós ficam as boas lembranças e o Sacola bem disposto e de rosto rosado e sorriso rasgado, que estava pronto a nos receber sempre e a dar-nos o melhor do pouquinho que tinha em casa (desde o chourizinho e queijinho de ovelha até ao vinho, licores e aguardentes caseiros), sempre acompanhado de histórias e lengalengas antigas e de muitas gargalhadas e boa disposição.

Quando o meu Avô faleceu chorei, mas chorei de soluçar a chorar e não conseguir parar. Foi o primeiro funeral da família a que assisti. E parecia que aí me estava a despedir dos que tinham partido e de que não tinha tido oportunidade de me despedir. Custou muito, pode ter parecido exagerado aos que viam de fora, mas para mim, com 18 anos ou perto disso, foi mesmo isso, uma despedida acumulada, um desabafo sentido e um até já para os três.

A minha Abuelita partiu também, na Venezuela, sem possibilidade de nos despedirmos, mas com o alívio de saber que finalmente ia encontrar-se com o meu Abuelito e com o meu Tio, que era das coisas que ela mais queria. Recebi a notícia do falecimento dela numa tarde de fevereiro, estava eu sozinha no escritório a trabalhar. Chorei tudo o que tinha a chorar, mas depois senti o tal alívio por ela e a felicidade de a ter tido comigo tão presente e sempre tão minha Abuelita.

Adorava e adoro essa mulher! Sempre mulher forte, a levar a família toda avante (só o dinheiro é que vinha do meu Abuelito, que o resto era ela a mandar!). Mulher de armas, com mãos fortes e com garra! Com um sentido de humor imensurável e uma paciência de anjo para mim e para a minha irmã, que a chateávamos até mais não, e ela tentava mas não se conseguia chatear connosco, só olhava para nós e se ria ("Suas loucas" nos chamava).

Dizia o que tinha para nos dizer, tratava o meu pai por senhor (por respeito máximo e agradecimento pela boa vida que ele nos dava e nos dá), rezava o terço a dormir e via as publicidades, para dormir enquanto dava a novela (o que ela negava perentoriamente). Quem jogasse às cartas com ela era melhor levar proteções, que às vezes voavam coisas e quem fosse comer a bendita comidinha da minha Abuelita tinha que ir de barriga vazia porque ia ser das melhores experiências que teria, mãos abençoadas (pessoal da Madeira é outra coisa...meu Deus que era tão boa a comidinha da minha Abuelita).

Há menos tempo foi a minha Avó paterna a partir. Sempre muito religiosa, ouvia o terço todos os dias para ter companhia para rezar, guardava nas gavetas bolachas, amêndoas e maçãs pequeninas para dar aos netos e bisneta às escondidas. Dizia que a melhor época da vida dela foi nos arrozais de Vila Franca de Xira, antes de casar, e adorava a comidinha que os meus pais faziam para ela.

Era uma pessoa muito doce, com graça também, não porque dissesse muitas piadas, mas porque não podia ouvir-nos a dizer nada minimamente engraçado que se começava logo a rir até ficar em lágrimas. 

Gostava muito desta minha Avó, que também passou por muito para poder criar os filhos, que teve uma vida dura no campo e que foi mulher do campo numa época muito difícil em que ter voz não existia para mulheres com filhos e marido, muito menos no campo...

Esta mulher de menos de metro e meio ensinou-me que na vida, por mais madrasta que ela nos pareça, só nos resta lutar. Lutar e lutar com tudo o que temos, porque, acreditem no que acreditem, se estamos cá é por algum motivo (nem que seja para os nossos) e nunca nos devemos dar por vencidos (esta mulher de menos de metro e meio, para além de tudo o que passou ao longo da vida lutou contra dois cancros com muito valor e força de vontade e muito espírito de sacrifício, sempre de sorriso no rosto - menos quando estava na missa, que aquilo era local sagrado e ai de quem ousasse portar-se mal naquele momento ao pé dela!).

Como estão a perceber, as gargalhadas era e é um ponto em comum nos elementos da minha família. Tive muita sorte de ter conhecido estas pessoas fantásticas, que fazem ainda parte de mim e sempre hão de fazer, que me custou tanto perder e que chorei vezes e vezes sem conta durante anos a fio.

Mas, isso está a mudar, até porque parecendo que não, já não vou para nova e uma pessoa vai pensando mais nestes assuntos. Então, se eu quero que quando for a minha vez de ir descansar me lembrem como a maluca bem-disposta, rabugenta, cuidadora, chatinha, que gostava de uns bons copos e ainda mais de gargalhadas valentes e de dançar até lhe doerem os pés, e que se quero que celebrem assim quando chegar o dia (daqui a muitos muitos anos, bate na madeira!), também acredito que os que partiram queiram o mesmo. 

E é por isso que hoje os lembro, com saudades e sempre com a lagriminha no canto do olho, como não podia deixar de ser, mas sobretudo com um ENORME SORRISO na cara, porque não podia ser de outra forma, são demasiadas histórias e experiências boas, e demasiada coisa maravilhosa que se passou com eles, para deixar isso para trás e pôr a tristeza da perda ganhar forças.

Olha, e é isto, para dizer-vos, porque sei que estejam onde estiverem estão a ver-me e a ajudar-me e continuam a dar-me forças e sentido de humor mesmo nos momentos menos bons, que vos amei e que vos amo com todo o meu coração e que deixaram em mim o melhor que posso ter e passar agora aos meus. Obrigada por tudo e até um dia! Vão preparando a musiquinha boa e a vinhaça para comemorar quando nos virmos de novo!

Espero que tenham conseguido também relembrar as coisas boas dos vossos e que guardem sempre essas memórias boas e deixem o resto para trás, porque o que interessa é mesmo essa marca que nos deixam e nos faz agradecer ter podido estar com eles!

Da vossa nostálgica Criatura-Mais-Velha! 

1 comentário: