domingo, 30 de março de 2025

Tentativa #8 – Ansiedade e Procrastinação: O Eterno círculo vicioso.

“A procrastinação é a prima preguiçosa do medo. Quando sentimos ansiedade em relação a uma actividade, adiamos." 

Noelle Hancock 

Ora, olá, de novo! Hoje venho falar-vos de duas velhas amigas minhas, muito docinhas que elas são e que sei que são amigas comuns de uma percentagem muito elevada de pessoas neste mundo. Essas amiguinhas são a Ansiedade e a Procrastinação (que cá para nós que ninguém nos ouve, acho que são mais do que amigas entre elas, porque andam sempre de mãos dadas…).

Portanto, vou apresentá-las para que estejamos todos a saber que estamos a falar das mesmas queridas:

A Ansiedade define-se como sendo “uma emoção normal, experienciada pelas pessoas no seu dia a dia, e caraterizada por sentimentos de tensão, preocupação, insegurança, normalmente acompanhados por alterações físicas como o aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, sudação, secura da boca, tremores e tonturas.” (segundo a CUF, não fui eu a inventar). Quando se mantém durante períodos prolongados (mais de 6 meses), já é considerado como transtorno de ansiedade (ela fica transtornada, coitada…e tem que ser tratada).

A Procrastinação, por sua vez, define-se como adiar o início (ou término) de uma tarefa geradora de stress/desconforto (esta vem assim como quem não quer a coisa…às vezes vem só naquela de “ah, não olhem para mim, só sou uma preguicita que está a dar”).

Apresentadas aqui as lindinhas, começo por explicar a quem não me conhece que tenho a teoria de ter nascido já ansiosa e cansada, os meus pais negam, mas eu acredito piamente nisso.

Sim, sou uma pessoa ansiosa desde que me conheço como pessoa. Tinha episódios por volta dos meus 5 aninhos ou mesmo antes em que não conseguia parar de me sentir mal, com um frio na barriga, mesmo muito, muito incómodo, idas constantes ao WC (peço desculpas se firo sensibilidades com o tema cocó, mas pronto, estamos cá para isso) e choro aparentemente sem motivo real de dor. Do que me lembro, estes episódios aconteciam quando sabia que tinha que falar em público, conhecer pessoas novas, ir ao médico (mesmo que fosse só para dizer um “olá” e receber uma guloseima e um autocolante) e quando pensava na morte (sim, já com essa idade preocupada com a morte).

A sensação/emoção começou a ser mais constante desde que vim morar para Portugal, o que acaba por ser normal…Deixei amigos, família, os meus conhecimentos e o meu cantinho quentinho, para vir para este frio eterno, onde na escola já davam inglês há dois anos e onde a matemática já começava a misturar letras (Deus, que martírio). Tive que conhecer pessoas novas, fazer amigos e encaixar basicamente 2 anos e meio de conhecimento num cérebro de 11 anos no mais curto espaço de tempo possível. Consegui, com a minha amiga Ansiedade sempre ao meu lado “a apoiar-me”.

Eu pensava que isto ia passar quando me ambientasse. Só que não.

Na verdade, já não me lembro bem como é existir sem ansiedade, não me lembro de quando foi a última vez em que passei um dia inteiro sem me sentir ansiosa (tenho momentos em que a Ansiedade deve ir num instantinho buscar um copo de água, mas depois volta toda feliz da vida, muito bom…)

Isto foi piorando em crescendo ao longo da vida. No secundário a Ansiedade deu um pulo (tinha metro e meio e passou para 1,80m, muito provavelmente fruto da adolescência – já eu continuo com os meus 1,57m, injustiças desta vida), na faculdade ficou mesmo robusta, e deu cabo de mim quando comecei a trabalhar na minha profissão atual.

Tive ataques de ansiedade, emagreci, engordei, comi desenfreadamente a ver se passava, deixei de comer, chorei, berrei, tive ataques de riso, isto com muitas festas intestinais pelo meio (epa, tem que ser, toda a gente sabe que é verdade, não vamos estar aqui com coisas, quem não tem, não conhece deveras a minha amiga Ansiedade). Enfim, descontrolei-me (ou o meu sistema descontrolou-se) a um ponto de se refletir fisicamente e de achar até que tinha cancro no estômago ou no intestino, porque as dores e as consequências eram já demasiadas, estava a emagrecer de um dia para o outro sem perceber o porquê, estava com cansaço extremo, sem vontade de nada nem de ninguém, e decidi que era tempo de pedir ajuda e fui à psicóloga.

Lá fui eu, toda contente para ser diagnosticada com Ansiedade e Depressão, e ser informada de que estas duas fofas são consideradas doenças crónicas, o que significam que não têm cura definitiva. Temos que aprender a lidar com elas e a usar mecanismos para as controlar e acalmar, sem recorrer a fármacos (tomei antes de ir à psicóloga, receitada pela médica de família e basicamente passei uns dias a ser um zombie ansioso). Portanto, é mais ou menos como aquele vizinho chato do qual não nos podemos livrar e só nos resta lidar o melhor possível com ele para que não chame a polícia se fazemos um bocadinho mais de barulho numa sexta à noite.

O que sinto ou o que me acontece (eu ia dizer quando tenho Ansiedade, mas é que na verdade é uma constante, simplesmente fica mais ou menos intensa ao longo do dia consoante as situações e pensamentos que me passem pela ideia) é o coração acelerado a parecer que queima; estômago com um aperto (às vezes nem consigo comer); acelero a velocidade com que falo; sorrio demais e digo piadas demais e demasiado parvas em momentos em que não é suposto; ou então, em contraste, fico demasiado quieta e de trombas a ver se passa, também em momentos em que não é suposto; fico com as mãos e os pés gelados e a suar; tenho mil e tal pensamentos em simultâneo e nenhum se conclui verdadeiramente, o que se reflete em começar mil e uma coisas de uma vez e ser muito difícil completá-las (seja em casa ou no trabalho, quem me acompanha no dia-a-dia bem sabe do que estou a falar…ups); fico com a boca seca e com o pé a bater no chão (mas a tentar não fazer barulho para não incomodar, porque pensar que incomodo também me dá ansiedade...).

Ah! E tenho o superpoder de ficar ansiosa com coisas reais e com coisas fictícias, com coisas e situações hipotéticas imaginadas, que normalmente nunca acontecem, o que é maravilhoso porque tenho todo o desgaste a que tenho direito mas sem motivo. É muito giro. Já cheguei a ter insónias e a criar na minha linda mente trabalhos, prazos e clientes que não existiam! Sou mesmo muito criativa, eu.

Enfim…isto em relação à Ansiedade. Depois vem a outra malandra, que é a Procrastinação, que as pessoas têm tendência a identificar somente como preguiça, mas por vezes por engano. Claro que o ser humano tem sempre o seu quê de preguiça, acho que não há ninguém que não tenha, mas a minha ligação com esta maravilha da natureza é mesmo forte.

Eu sou procrastinadora profissional, tanto em casa como no trabalho. Tento lidar com isso e combater, forço-me (não é esforço-me é forço-me mesmo) a realizar as tarefas, e acabo por as fazer (mais ou menos todas, pelo menos as que não posso não fazer). Parece fácil, não é? Estou mesmo a ouvir aquelas vocês "Então, mas se tens que fazer, faz, fica já feito pronto". Pois é, amigos, eu bem gostava. Mas já sentiram agonia, ânsias, dores no corpo e até vontade de vomitar porque têm que fazer mesmo uma tarefa mas não querem? Eu sim, muitas vezes, demasiadas vezes, aliás.

Outra coisa gira é  que ainda por cima, quando procrastino, vem outra vez a bela da Ansiedade. Vem-me dizer coisas tipo “Estás a gostar de não fazer o que devias estar a fazer?”, “É esse o exemplo que queres dar aos teus filhos?”; “Descansar é bom, não é? E tu precisas, mas já viste tudo o que há para fazer e ainda não fizeste?”, “Linda vida a tua, quando vires a consequências desse deixar para outro dia vai ser bonito vai”; “Continua assim que vais longe”. Sim, a Ansiedade é uma simpatia! E o pior é que tem razão, mas fazer as coisas com antecedência e do início ao fim chega a tornar-se mesmo fisicamente penoso e doloroso, mas não sei bem porquê, se é medo de falhar, se é o cansaço a dizer que tens que parar mas as responsabilidades a tentar falar mais alto e a dizer que tens que continuar a fazer coisas, se é não gostar mesmo do que se está a fazer e querer recompensas rápidas, não sei se é uma das opções anteriores ou a mistura de todas. O certo é que procrastinar está sempre na minha "lista de tarefas" (que irónica e engraçada que é a fofa que aqui vos escreve, não é?), mesmo que de forma inconsciente.

Hoje e quanto a este tema não tenho nenhuma mensagem de conforto nem de esperança, porque ainda estão aqui a morar comigo estas duas preciosidades. Já tentei várias coisas para lidar com as duas, funcionam durante uns tempos mas depois voltam muitas vezes melhores e mais fortes…Portanto, desta vez fica aqui é mais o apelo sobretudo para aquelas pessoas calmas e com tudo sempre ao dia que eu admiro sempre que vejo: Se souberem de alguma coisa que ajude e que ponha estas coisinhas fofas a dormir ou assim, agradeço, que comigo elas estão sempre prontas e ao serviço.

Obrigada pela atenção dispensada.

Da vossa Criatura-Mais-Velha!

domingo, 23 de março de 2025

Tentativa #7 – Relações e Aprendizagens.

 Tentativa #7 – Relações e Aprendizagens.

Disclaimer: Esta Tentativa é provavelmente a coisa mais pirosa e com mais letras que vão ler hoje.

“A coisa mais difícil de aprender na vida, é qual ponte precisamos atravessar, e qual devemos queimar.”

Abraham Lincoln

Bem, isto estava difícil de sair. Não por falta de ter coisas para dizer ou do que me queixar, que disso tenho de sobra, mas porque estava difícil de arranjar um tempinho para me sentar aqui a falar convosco. Portanto, quem tiver dicas de organização e de deixar o cansaço de lado para fazer as coisas, por favor partilhe, que isto já é uma questão grave e que leva ao desespero! Agradecida.

Mas pronto, cá estou eu, sentadinha, pronta para partilhar mais um pouco da minha vida (talvez demais…sorry) à espera que possa ajudar alguém a saber que não está sozinha nesta vida louca e, quem sabe, fazendo com que esse alguém (ou alguens) venha partilhar um bocadinho dos seus desesperos comigo.

Hoje venho falar de relações. Aquelas que por um motivo ou outro acabaram por acabar e aquela que fica ou que esperamos nós que fique para sempre. No caso, e porque não tenho tempo nem teclado que aguente com tanta história que teria para deixar aqui, refiro-me apenas a relações amorosas.

Começar por dizer que, como dizia a minha avó (uma das minhas pessoas favoritas deste Universo): “O casamento é como uma lotaria”. E é mesmo. No casamento (ou relações, sem ser casamento): ou perdemos; ou ganhamos; ou ficamos na mesma (ou seja, não evoluímos).

No meu caso, mesmo que com 35 anos de vida em cima das costas, somente tenho quatro relações sérias e que me marcaram, e que considero como sendo as relações que fizeram de mim o que sou hoje, para o bom e para o mau, com mais ou menos traumas e com mais ou menos momentos de felicidade e de amor verdadeiro.

A primeira de todas remonta aos meus 10 aninhos. Sim, a Criatura-Mais-Velha já foi uma criança, para o espanto de todos!. E sim, na Venezuela começa-se cedo esta vida de drama e romance (espero não chocar sensibilidades).  

Então, quando eu tinha 10 anos apaixonei-me pelo rapaz que todas as raparigas queriam como namorado (mesmo sendo mais velhas que ele). Era um miúdo giro, com ginga, simpático, atencioso, não morava na mesma urbanização que eu (o que lhe dava mistério e não fazia enjoar) e sabia dançar (o que na Venezuela é uma condição indispensável para que alguém seja considerado um bom partido). Eu era uma Maria-Rapaz (não mais porque a minha mãe não deixava…), trapalhona, tímida, rechonchuda, com a autoestima em baixo, a palhacinha do grupo que toda a gente queria como amiga e confidente, mas que ninguém queria como namorada.

Até que aquele rapazinho que todas queriam conquistar olhou para mim. Não sei bem ainda explicar porquê, visto que ele tinha MESMO muita escolha lá no grupo, miúdas muito mais bonitas, magrinhas, cheirosas, engraçadas…Olhou para mim e eu já tinha há muito olhado para ele, e pronto, acabou por acontecer, começamos a “namorar”. Fartávamos-mos de andar de mãos dadas, de rir, de dançar, de falar e de ouvir músicas juntos (muitas das melhores bandas que ainda hoje em dia oiço foram ele que mas mostrou – Gorillaz, Limp Bizkit, Linkin Park…até então só ouvia Shakira, Christina Aguilera, Britney e pouco mais).

Mas, passados uns meses tive que vir para Portugal, mas o rapazinho, com esperanças que eu voltasse rápido (as mesmas esperanças que eu tinha), não deixou de me ligar durante vários meses e falávamos e fazíamos planos para quando eu voltasse ou para quando ele me viesse visitar. Nada disto aconteceu e nos demos conta que tudo não passava de um sonho e os telefonemas acabaram por parar, para ele poder ir à vida dele e eu à minha, para que uma ilusão e esperança vã de dois miúdos não esmagassem os sonhos que podíamos realmente vir a alcançar.

Bem, desta relação bonita e juvenil retirei (ou retiro agora que analiso a coisa com uma BOAAA distância) que nunca sabemos o que vai na cabeça e no coração das pessoas, mas temos a mania de tentar adivinhar, e muitas vezes essa necessidade de acharmos que temos poderes adivinhatórios acaba por nos fazer perder muitas oportunidades. Outra coisa que aprendi com este rapazinho é que temos que conseguir ouvir as nossas emoções, não ir à toa, mas também não deixar que os outros nos levem a fazer coisas à-toa. Se gostas, vai em frente, não gostes só do que dizem que tens de gostar, nem do que achas que devias gostar.

A segunda relação que me ensinou muito foi a minha relação mais duradoura até hoje. Durou 14 anos e deu-me muita coisa. Boas e más (as boas sendo muito boas e as más tendo-me ajudado a perceber muita coisa sobre mim e sobre os outros).

Nesta relação eramos nós dois gaiatos sem saber nada da vida, eu com 16 e ele com 18. Conhecemo-nos graças a uns amigos. Ele pediu-me o número de telemóvel, eu na minha inocência e porque nunca pensei que um “rapaz de Lisboa” (que afinal era de Corroios…conhecimentos geográficos aqui da linda) e ainda por cima giro, quisesse alguma coisa comigo. Eu, continuando a ser Maria-Rapaz (não mais porque a minha mãe não deixava…), com corte à cogumelo, com borbulhas, roupa de tudo menos da moda, e pronto, com este sentido de humor idiota de que já vos falei.

Mas pronto, pelos vistos, esse rapazito também não queria saber de clichés e das meninas bonitinhas de revista, e lá ficamos juntos “só” 14 aninhos. Esses 14 aninhos tiveram altos e baixos, como todas as relações até com menos tempo.

Nós acabamos por nos tornar adultos juntos, eramos os melhores amigos um do outro (pelo menos, para mim, ele era o meu melhor amigo), estudamos juntos (cada um no seu curso), viajamos, rimos, choramos, vimos carradas de filmes, séries e anime, cozinhamos muitos pratos diferentes, bons e maus (os maus foram mais meus, uma vez tivemos que encomendar hambúrgueres de uma marca conhecida cujo nome não posso dizer porque ainda não recebo para fazer publicidade), fizemos noitadas com amigos e sem amigos, jogamos, construímos um lar, tivemos uma filha fabulosa! Tivemos uma vida juntos cheia.

Mas…Agora olhando à distância (e no meu ponto de vista, claro), por motivos que acho normais e espectáveis, a relação começou a desgastar-se e a comunicação a falhar. Os gostos e ritmos de fazer as coisas e de ver as coisas a acontecer mudou, deixamos de ser gaiatos e ficamos adultos com ideias diferentes do mundo, e o romance foi-se desvanecendo. Uma coisa levou à outra e esta relação também acabou por acabar.

Custou muito que acabasse, porque foram muitos anos, muita partilha, não havia praticamente nada que não soubéssemos um do outro e que fizéssemos um sem o outro. Quando acabou passei por todas as fases que se veem nas comédias românticas: choro compulsivo, querer fugir e deixar tudo para trás, pintar e cortar o cabelo, procurar a companhia de amigos e familiares todos os fins de semana, não saber estar sozinha, fazer uma tatuagem (sim, a minha primeira tatuagem aos 30, uma vergonha!), enfim, uma vida louca.

Depois a vida começou a voltar ao normal. E aprendi com esta relação que nos podemos refazer, que podemos manter a amizade mesmo que haja momentos maus e que nos magoem e que magoemos (graças a Deus ainda somos amigos e quando um precisa o outro está lá para ajudar, e já ambos estamos super bem acompanhados, cada um com o seu mais-que-tudo), que não podemos confundir hábito, apego e amizade com amor e paixão, que somos bem mais fortes do que achamos que somos e que sabemos quem são os nossos verdadeiros amigos nestes momentos maus e conseguimos logo, logo, perceber quais as pontes que precisamos de queimar também nestes momentos maus. É uma espécie de momento de revelação (claro, quando todo o nevoeiro e drama inicial vão desaparecendo).

Depois da relação mais longa veio a mais curta, por razões muito óbvias (pelo menos para mim e peço já desculpas pelo desabafo). Foi uma relação que foi resultado basicamente da baixa-autoestima, de achar que não sabia e não gostava de estar sozinha e que mais ninguém me ia querer já aos meus 30, com uma filha e com uma relação anterior tão longa. Esta relação foi com uma pessoa com quem eu não partilhava os mesmos valores, interesses, forma de pensar e de lidar com os outros, que (acho eu) não se sentia bem com ele próprio e por isso era ambíguo na forma de tratar quem estava com ele no dia-a-dia e quem estava com ele só nos convívios e nas partes boas. Senti que só eu é que vi o verdadeiro “eu” dessa pessoa e não me identifiquei com o que vi, mas, para ele sinceramente desejo-lhe paz de espírito e que encontre alguém que o ame incondicionalmente.

Mas como tudo o que nos acontece de mau traz também partes boas (sendo, aliás, essa uma das aprendizagens nas relações, pelo menos para mim, sejam elas amorosas, de amizade ou profissionais), desta relação retirei que me sei defender sozinha, que é necessário pensar bem antes de agir (mesmo que nos apeteça agir sem pensar em certas situações), que tenho que relaxar mais e o quão bom é viajar muito mesmo que seja para sítios perto, que temos que aprender a ler as pessoas e cuidar de nós, não dar tudo logo, e sobretudo, aprender a dizer que não!

Agora, estou na relação simultaneamente mais madura e mais infantil em que estive. Na que me ri mais e fiz mais em menos tempo. Na que não tenho vergonha de ser eu própria, mesmo que essa “eu própria” seja uma pessoa rabugenta, chata, dorminhoca, cansada, despenteada, descuidada, desorganizada e sem sentido (eu sei fazer bué boa publicidade de mim própria, eu sei). Estou na relação em que me sinto mais eu, em que puxam mais por mim, mas na que consigo dizer mais vezes que não, sempre sabendo que não vou estar sozinha (só quando ou se eu precisar), naquela em que me divirto mais mesmo sem pôr um pé fora da cama.

Com o meu marido aprendi a saber dizer o que penso, quando o penso, e a ouvir também. Aprendi que não podemos ficar parados à espera que nos caiam as coisas e os sonhos realizados ao colo. Que é preciso fechar os olhos e os ouvidos e seguir mais o nosso instinto (embora, às vezes com alguns travões que tenho que pôr, senão em vez de andar, corremos ou voamos a velocidades supersónica). Que há muitas mas mesmo muitas coisas interessantes neste universo e fora dele. Que a maior parte dessas coisas acontecem fora do trabalho. Que temos que ter MUITA mas MUITA paciência uns com os outros. Que existem pessoas nas quais podemos confiar para tudo e em todas as ocasiões, que estão prontos para fazer seja o que for por nós (sem ser nos meus papás e na minha mana…pronto, que isso sempre soube, estiveram e estão sempre comigo para o que for, mesmo não concordando muito, tal como o faz o meu maridinho lindo). Que nos podemos divertir mais numa viagem de carro a dormir nele, ou mesmo em casa, do que num hotel de luxo, desde que a companhia seja perfeita. E que há sempre cinco minutos em que podemos simplesmente parar para apreciar o pôr-do-sol com um copo de vinho numa mão e a melhor companhia de sempre na outra. Aprendi que podemos encontrar a nossa pessoa mesmo que para isso tenhamos de sofrer um pouco antes.

Se vossemecês me permitem e se é que querem saber (respeito quem não queira, e até compreendo), a mensagem que quero aqui deixar, é que não tenham medo de arriscar, de acreditar e que antes de tudo tomem conta de vocês; que aprendam a dizer o que vos vai na alma, sempre a tentar não magoar ninguém, mas digam, porque os maiores erros e fracassos são resultado da falta de comunicação; que estejam sempre atentos aos sinais que as outras pessoas vos dão e a que nós próprios nos damos; que mesmo que caiam muitas vezes, vão-se levantar de todas elas, sempre (ou praticamente sempre) mais fortes, melhores, com mais conhecimento nesses cérebros abençoados; que provavelmente a vossa pessoa anda por aí e que se não estiver também está tudo bem, porque se devem bastar com vós próprios, a vossa pessoa deve servir para acrescentar e não para completar algo que já é completo: vocês.

Eu sei, coisas que parecem básicas e cliché, eu sei, eu própria também achei (e piroso também), mas também sei que só as aprendi realmente com todas as pancadas que levei e por isso nunca está demais relembrar (e sei que sou chata, portanto, este é só mais um episódio, já não luto contra isso, só lido).

Da vossa Criatura-Mais-Velha!

terça-feira, 18 de março de 2025

Tentativa #6 – Empatia vs Simpatia, e o nojinho.

Paz, amor e empatia!”

Kurt Cobain

Pois é…Hoje não é domingo, não…Escrevo-vos a uma segunda-feira à noite e não a um domingo como habitualmente porque estão perante uma pessoa que acha que ainda tem 20 anos e um fígado como deve ser e se entusiasmou demasiado no fim-de-semana, e teve que trabalhar na segunda-feira bem de manhãzinha. Mas como não podia deixar de ser, o que tenho a dizer em relação a isto é que a culpa é da minha irmã (of course)! Foi o aniversário da criatura-mais-nova e aniversário da minha irmã (ou de qualquer outro elemento da minha família) não é aniversário sem que seja bem regadinho! Parabéns pelos 25 aninhos, maninha!

Bem, terminadas as justificações, passemos ao que me trouxe aqui hoje: a empatia.

A empatia, foi sempre um tema e um sentimento do meu agrado, e tornou-se mais interessante ainda porque descobri (graças ao raciocínio do Dr. Paulo Moreira) que por vezes traz consigo emoções opostas a ele.

Bom, para começar a falar sobre a empatia, nada melhor do que fazer uma visita ao dicionário online e colocar aqui a definição, para que tenhamos neste blog maravilhoso um pouco de cultura e não só queixumes e ideias estranhas.

Então, segundo a Infopédia, Dicionários da Porto Editora, embora existam algumas definições do que é a empatia, a “empatia tem sido normalmente definida como a capacidade psicológica que permite, de uma forma aprofundada e íntima, a compreensão de ideias, sentimentos e motivações de outras pessoas.

Por outras palavras (penso eu de quê) a empatia é uma capacidade que nos permite compreender o outro, querer compreender o outro e dalguma forma ajudá-lo a transmitir de forma livre as suas ideias, sentimentos, emoções…basicamente, de transmitir o seu “Eu” sem que seja pressionado ou limitado pelo julgamento e críticas dos outros.

Desde pequena que me lembro de ter esta capacidade ou pelo menos um pouco desta capacidade (vá lá, que tenha alguma ao menos). Lembro-me de tentar sempre ver o outro lado, mesmo daquelas crianças amigas, ou não tanto, que me apetecia só pôr numa caixinha e mandar de volta para o país das cegonhas.

Sempre achei que as pessoas não podem ser más somente porque sim, somente porque lhes apetece ser más, porque lhes apetece simplesmente chegar e gritar com os outros só porque os outros não fazem as coisas de forma como essas pessoas acham que deve ser feito. Sempre achei que essas pessoas podem ter algo para contar que faça perceber o porquê de toda essa raiva interior e o porquê de a despejarem em cima dos outros de forma gratuita.

Ou as pessoas não são chatas e queixosas porque querem, porque não encontraram outro hobby nesta vida ou porque nasceram assim e não houve dinheiro para o arranjo (aqui me identifico muito)…Acho, usualmente, que podem ter sido, por exemplo, ignoradas em criança, ou mesmo em adulto e é uma forma de chamar a atenção, ou de simplesmente desabafar porque não têm propriamente com quem falar.

Ou aquelas que são extremamente arrogantes, donas do seu nariz, que não aceitam críticas mesmo que construtivas, porque se acham a última bolacha do pacote, e que olham para outras com nada mais do que desdém e uma pena incomensurável porque não lhe chegam aos calcanhares (coitadinhas dessas pobres almas inferiores…). Com estas, normalmente, a minha capacidade de empatia não é tão boa, mas tento sempre ver ou perceber o que se passou, se é para compensar alguma coisa, alguma insegurança…

Ou, por outro lado, em relação àquelas pessoas que são “muito estranhos”, que não seguem os padrões e se assemelham a crianças pequenas e inocentes que dizem e fazem tudo o que lhes apetece, com demasiadaaaa energiaaa, quanto a estas gosto de tentar perceber se é porque querem aproveitar a vida, se já passaram por alguma privação e estão a libertar-se, porque acham que é a única forma de que as pessoas as achem divertidas, ou por outro motivo qualquer.  

Normalmente (ao menos que a pessoa seja uma completa besta, com a qual a minha capacidade de lidar fique inexistente), tento – tento, nem sempre consigo, muitas vezes por falta de paciência e energia - perceber o que se passa ou o que se passou para que aquela pessoa seja assim e tenha uma dificuldade tão grande de lidar com os outros e dos outros a lidar com essas pessoas.

Normalmente, quando faço isto chego rapidamente à conclusão de que efetivamente alguma coisa se passou ou se passa na vida dessa pessoa que somente tentando conhecer e perceber, falar, ultrapassar o primeiro obstáculo criado por elas mesmas ou por nós perante elas, é que é possível compreender e fazer a diferença, na vida da pessoa ou na nossa própria vida.

Lembro-me em particular de quando eu tinha mais ou menos oito ou nove anos, ou talvez menos até (ainda estava eu na Venezuela), havia uma menina que como que se metia no nosso grupo de amigos, queria fazer parte. Mas, essa menina, em vez de se enturmar e de brincar connosco, escolhia sempre a violência, o choro, a manipulação, a agressividade quando era contrariada ou quando os outros não queriam brincar com ela. Essa menina era a minha vizinha do lado, e rapidamente percebi o porquê dessas atitudes, a menina era maltratada pelos pais e pelo irmão mais velho (e este, por sua vez, era maltratado pelos pais), negligenciada, humilhada…enfim…não souberam ser pessoas decentes para ela e fizeram com que ela se achasse inferior e que para se defender era preciso ser assim.

Um dia decidi ir falar com ela seriamente (sim, com os meus muito maturos sete/oito/nove anos de idade), decidi ouvi-la e decidi transmitir o que todo o grupo sentia em relação a ela e os motivos…Não é que a menina, com muito esforço (porque estava a contrariar as defesas que tinha montado inconscientemente) começou efetivamente a fazer parte do grupo? Achei brutal. Como uma hora de conversa com alguém, para tentar perceber a sua versão e os seus motivos pode mudar uma vida. Claro que não fui eu que lhe mudei a vida, calma! Foi ela própria, porque tem que partir de cada um, como é óbvio, concordar ou não com a visão externa. O que quero dizer é que às vezes basta abrir a frechazinha, para conseguir fazer com que a pessoa se sinta compreendida, para que tudo mude, para que se entendam as perspetivas um do outro, e mesmo que aos poucos e com esforço, mesmo que demore anos um bocadinho de empatia pode fazer maravilhas nas relações pessoais.

Acho que esta é uma das magias da empatia. É conseguir fazer com que a pessoa se sinta compreendida e não corrigida ao jeito dos outros, não julgada, que consiga dizer como se sente sem ouvir um “ai que exagero!” ou “isso não faz sentido”.   

Não, não estou a dizer isto ou a falar disto para me armar em boa samaritana, em bondosa e numa “anja” que caiu do céu. Nada disso. Aliás, a empatia é algo que ainda estou a tentar trabalhar nas minhas relações pessoais, em particular, na relação com a minha filha e as minhas enteadas, porque tenho descoberto que é mais fácil ser empática com pessoas que se conseguem tentar explicar melhor, do que com crianças que muitas vezes nem sabem bem dizer se têm fome ou sono (quem diria…). É um dos meus objetivos de vida conseguir ser mais empática com as crianças, sendo adulta (ou tentando sê-lo). Sei que pode parecer estranho, mas para mim é muito mais difícil criar esta empatia com crianças, não sei se é por ser mais difícil ter também empatia da parte delas que não compreendem a vida de adulto, ou porque já me esqueci de muita coisa de quando eu era criança, ou certamente poderá ser uma mistura destas duas realidades.

Pensem o quão difícil é não dizer a uma criança que não precisa de chorar porque o seu desenho se molhou e se estragou; ou que não deve chorar ou queixar-se da comida que tem à frente porque só se deverá queixar se algum dia não tiver comida no prato; ou exigir à criança que pare com a birra porque se esqueceu do boneco em casa e ainda acrescentar que somente se esqueceu porque é uma cabeça no ar…

Eu ainda faço muito isto. Mas a boa notícia é que, em vez do que acontecia anteriormente em que até que sentia um certo orgulho em fazer as crianças parar de chorar ou de serem chatas rápido, agora, cada vez que faço isso de despachar a emoção chata da criança porque já chegam as minhas, me sinto uma péssima pessoa.

E então agora, quando estou perante alguma destas situações ou similares com a minha filha de sangue e com os meus filhos do coração, respiro (muitoooooooo) fundo e conto tipo até 1250 dez vezes e pergunto-lhes o que se passa e porque acham que estão assim e se acham que há solução, se não chegam lá sozinhos dou-lhes uma ajudinha, até partilhando os meus sentimentos e emoções com eles também (para que não continuem a achar que sou só uma pessoa idosa muito chata e que não suporta ruídos e crianças) e a coisa está a correr muito melhor…

Sim, soa piroso, eu sei, mas o que é certo é que parece que está a resultar, elas sentem-se ouvidas e acalmam muito mais rápido e a minha relação com elas e a delas comigo (que também devem falar horrores de mim às outras crianças todas, uma vergonha e uma falta de empatia tremenda destas crianças para comigo, incrível!) tem vindo a melhorar.

Portanto, mais uma vez fica o meu apelo à empatia entre as pessoas (vá, com os animais também podem tentar, mas pode ser um pouco mais difícil, não sei…). Mas agora a sério, tentem de vez em quando olhar para a pessoa colocando-se não só a sua perspetiva mas todas as condições à sua volta, tentando perceber a sua história, as suas emoções e a força com que as suas emoções a invadem e a capacidade de gerir ou não essas emoções (eu também vou continuar a tentar, prometo).

Acho que só assim é que o mundo poderá seguir em frente (acho sempre incrível como o ser humano passou por tanta coisa, já tem tanta, mas tanta informação e continua a não querer saber e a repetir os meus erros, vezes e vezes sem conta e a odiar-se por coisas tão vazias) – pirosa outra vez, eu sei, habituem-se.

E agora, como demonstração da minha possível bipolaridade e capacidade de mudar de conversa e de vibe, e só porque sim e porque achei interessante partilhar, seguem duas “curiosidades” que descobri há muito pouco tempo em relação à empatia:

1.º - Sabem que há uma diferença enorme entre empatia e simpatia? Eu não fazia ideia. Mas, portanto, resumindo, a empatia é o que tentei explicar acima, ou seja, é o tentar compreender o outro e dar-lhe espaço para que se possam exprimir e partilhar um pouco das nossas experiências semelhantes ao que a pessoa está a passar para criar ligação. A simpatia é como que um mecanismo para tentar simplesmente afastar os sentimentos/emoções negativas que a pessoa nos está a transmitir que está a ter. É basicamente quando, perante uma situação em que há uma emoção negativa da parte do outro, ou porque está chateado, ou triste ou queixoso, dizemos coisas tipo: “Ah, então?! Não estejas assim, olha que podia ser bem pior…Tipo podia cair agora um meteorito em cima de nós ou assim, para de te queixar e vamos continuar a fingir que está tudo bem porque é muito mais confortável e dá-me menos trabalho”.

2.º - Já pensaram que o facto de odiar pessoas que não têm empatia com os outros faz com que se deixe precisamente de ter empatia com essas pessoas, e ao ter aversão por essas pessoas significa, também, que surge a emoção do nojo (sim, o nojo é uma emoção básica – se não sabiam significa que têm que ir ver o filme DivertidaMente, muito bom, recomendo, mesmo já tendo sido obrigada a vê-lo uma infinitude de vezes). Muito interessante e revelador do paradoxais que conseguimos ser como seres supostamente racionais. Gostei muito deste raciocínio (ou parecido) by the Doctor Paulo Moreira.

Bem, e é isto. Já desabafei e transmiti cenas e coisas e já posso ir dormir descansada. Obrigada por lerem os meus devaneios! Prometo que vou tentar ser fiel aos domingos e ser mais responsável com as Tentativas.

Da vossa (empática) Criatura-Mais-Velha!

domingo, 9 de março de 2025

Tentativa #5 – Homens, Mulheres, Felicidade e um filme chamado “Canina”.

 

Se falares a um homem numa linguagem que ele compreenda, a tua mensagem entra na sua cabeça. 

Se lhe falares na sua própria linguagem, a tua mensagem entra-lhe directamente no coração.” —

Nelson Mandela

 

Então, há cerca de um mês vi um filme que achei brutal. Não só no aspeto do desenredo e conteúdo, mas em particular pela experiência que foi vê-lo com o meu marido.

 O filme, como o título desta Tentativa já deixa adivinhar, é “Canina” (ou, no título original “Nightbitch”) e, basicamente (e para não ser essa pessoa que não pensa nos outros e vira spoiler), “Canina” é um filme baseado no romance de 2021 de Rachel Yoder, e trata-se da história de uma mulher que interrompe a sua carreira após ter um filho, assumindo o papel de dona de casa e mãe a tempo inteiro, enquanto o seu marido está muitas vezes ausente, devido a longas e frequentes viagens de negócios, e nesta nova fase da vida desta mulher o estresse começa a afetar a sua sanidade mental (o resto, se quiserem saber, vão ver o filme, oh xâxabor, sobretudo em casal, que aumenta a experiência da coisa, e sobretudo – mas não só – se forem mães desesperadas como esta que vos escreve em jeito de desabafo).

Como disse, a parte mais interessante de ver este filme foi vê-lo com o meu marido. Isto porque enquanto eu acenava em concordância quase plena com o que se ia passando no filme e com o que dizia visceralmente a personagem principal (interpretada por Amy Adams), o meu marido mexia-se e remexia-se, incómodo no sofá, a olhar para mim, com um olhar preocupado, enquanto perguntava: “Isto é mesmo assim? É isso que sentes? É assim que te vês?” (como marido fofinho e cuidador que é – não, não é sarcasmo, nem tudo na vida me cria desespero, vamos lá ter calma também, caso contrário este Blog estaria a ser escrito no Júlio de Matos e não no conforto da minha sala de estar).

Eu ia-lhe respondendo que sim.

Que não estava nesse estado de desespero total da personagem de Amy Adams, e que graças a Deus ele não era um marido otário como o dela, mas que sim, que era muito aquilo que estava refletido no filme o que eu sentia e que muitas vezes, por um motivo ou por outro não conseguia admitir e dizer em voz alta.

Ao longo do filme e depois desta reação do meu marido (que o viu até ao fim por insistência desta coisa linda que aqui está a teclar) comecei a analisar melhor não só a sua mensagem, como o que estava a surgir da conversa, experiência e reações paralelas dos dois espetadores do “Canina” naquele momento.

O filme, teve a importância que teve e me afetou da forma que o fez, porque se trata não só do papel da mulher e do homem na sociedade, também como mãe e pai, como reflete também as culpas no cartório de ambos os membros do casal quando a coisa não corre como planeado quando damos o “Sim” e prometemos que é amor para a vida toda.

Na situação do filme em concreto, identifico-me quase totalmente com a personagem principal porque ela está mais de metade da história numa angústia e exaustão tremenda, sentindo-se presa, impotente e incompetente em todos os papéis que “interpreta” na sua vida. A única coisa que guia a vida da senhora é o filho, o marido só de vez em quando está presente (graças a todos os santinhos o meu já não viaja tanto e nesta parte já não me identifico), ela finge que está sempre tudo encarrilado, e as poucas vezes que decide desabafar (interior ou externamente) ninguém a compreende – sobretudo as outras mães, que a olham de lado, com ar reprovador perante as suas queixas, quando ela deveria achar tudo perfeito…

O marido parece não compreender o que se passa. Ela fica completamente frustrada, deprimida e com sentimentos de raiva e desespero perante um marido tão incompreensivo.

Toda a envolvência e desenvolvimento do filme, fez-me cogitar no seguinte:

1 - Estamos numa sociedade de supostas mães perfeitas, em que mesmo que te apeteça fugir e gritar e desistir de tudo e de todos, para fora, o que tem que sair quando te perguntam se está tudo bem e se estás a adorar a maternidade, como todas as outas mães deste mundo, a resposta tem que ser inevitável e somente um redondo “Sim”, sem espaço para mais nada, a não ser que seja para acrescentar que segues e respeitas todas as regras dos gurus da obstetrícia, pediatria e educação infantil do planeta Terra e arredores;

2 – Há uma sensação de desespero ao longo do filme, pelos diálogos entre o casal, pela aparente repartição entre os membros do casal dos cuidados, preocupações e responsabilidades perante o seu filho, na possibilidade de cada um dos membros do casal viver a sua vida. Dessa sensação de desespero e de empatia com a personagem principal, chega-se a estar somente na “equipa da mãe” e a desprezar a “equipa do pai” (como se atreve este homem a não perceber o que se passa e está “mesmo debaixo do seu nariz”? Que astúcia a dele a fazer-se de desentendido, não é?).

Quanto ao primeiro ponto, identifiquei-me de forma indubitável (acredito que tal como 99,9% das mães que vejam o filme), já que nesse ponto se reflete a falta de coragem em admitir o que se sente realmente quanto à maternidade, quanto a todas as demais responsabilidades que vêm com esse novo estado de graça e quanto à mulher que nos tornamos vs a mulher que deixamos de ser assim que chega o novo ser, que levamos durante 9 meses na barriga e nos muda literalmente do cabelo até aos pés, por dentro e por fora, e que por vezes nos cria dúvidas quanto às nossas escolhas de vida.

Mas, consegui também aperceber-me ainda mais (sim, que já sérias suspeitas pairavam neste cérebro quanto a esta questão) que nós, mães, ficamos assim, não porque somos vítimas do patriarcado, ou porque os outros ou a sociedade, a isso nos obriga, mas porque nós próprias como mães-mulheres-esposas-trabalhadoras que somos nos pressionamos para tal, e pressionamos as outras mães para seguir essa via (consciente e inconscientemente).

Não acham? Olha aquela mãe que comete o pecado mortal de se queixar das horas de sono perdidas, do cansaço, da vontade de voltar à vida de outrora em que podia aventurar-se e explorar sem ter de tomar conta (por vezes a 100% do seu tempo) de um ser, sem saber bem o que se anda a fazer…Olha a mãe que tem o descaramento de dizer que deu o alimento errado na fase errada à criança…Olha a mãe que diz às outras amigas/conhecidas (mães ou não mães) que deixa a criança com os avós para poder ir namorar com o marido, ou simplesmente para poder descansar e ser de novo só ela, como mulher, ou com a sua criança interior somente a ser, e a fazer o que bem lhe apetece durante esse período – a ser ela como pessoa e não como outra coisa qualquer estereotipada!

Essa mãe que se atreve, aliás que se atreve não, que OUSA (!) desabafar perante as outras mães, que sentem também isso tudo mas que não podem dar parte fraca e parece que ficaram encarregadas, não se sabe bem por quem, logo no momento do parto (e às vezes antes mesmo disso) de proibir as outras mães de não serem e/ou não quererem ser mães perfeitas (porque isso não existe e só nos deixa mentalmente cansadas e deterioradas), e querem ser só mães, dar carinho e cuidar do rebento, ao invés de ser apoiada ou ao menos minimamente compreendida pelas outras que passam pela mesma travessia levam com lições de moral e de "caráter científico", até, de modo a que a mãe que desabafa e não sente 24/7 as maravilhas da maternidade se sinta péssima com ela mesma e pense que o filho estaria melhor a ser criado por lobos. 

Essa mãe que ousa desabafar e queixar-se da vida é crucificada e leva com o carimbo de “pior mãe de sempre” ou pior “de mãe egoísta ou mesmo narcisista” – realmente, como se atrevem em pensar nelas próprias, não é? Sacrilégio desta vida, não compreendo...

Ou seja, o que retiro daqui é que as maiores críticas e apontamentos de dedos vêm de quem já passou ou está a passar por esse estado de desespero, mas não quer admitir, e quer passar a mensagem de que é facílimo e que se as outras não conseguem é porque não se esforçam e não se sacrificam como elas! Tudo supostamente para o bem dos pequenos (muitas vezes não correspondendo este último ponto à verdade, porque o que pretende é levar o prémio de melhor mãe de sempre e de todos os tempos). É incrível pensar nisto! Como a falta de empatia pode chegar a esse ponto? Como a falta de empatia em prol das aparências pode levar algumas pessoas a preferirem negar o que são e como se sentem para parecerem perfeitas, em vez de ajudar e apoiar quem está a passar pelo mesmo. Ficam assim um monte de pessoas a sofrer em silêncio, com um sorriso pintado na cara, mas com a alma cheia de frustração, sentimento de culpa e cicatrizes…Não consigo compreender…

Isto quanto ao primeiro ponto.

Em relação ao segundo ponto, o que já me tinha apercebido, mas fica preto no branco neste filme, e me fez pensar ainda mais neste assunto, é que quando te tornas mãe-mulher-esposa-trabalhadora parece que te colocas um fardo em cima, sem mais.

O que quero dizer com isto, é que parece que assumes, que TU assumes, mesmo que ninguém o exija, um fardo enorme e uma necessidade/obrigação de seres basicamente uma supermulher. Uma pessoa que tem que estar sempre a 100% a tratar de tudo, sem ajuda. Mas que depois leva a mal porque sente que ninguém a ajuda, que ninguém a compreende, que tudo lhe cai em cima dos ombros e que ela tem que se aguentar, mas que o mundo (sobretudo o marido, ou companheiro que está ao lado), tem simplesmente que perceber que isto tudo se está a passar dentro da tua cabeça e que essa pessoa já deveria estar a fazer a “sua parte” e ajudar em tudo, sem que seja necessário pedir…

Mas como se pode exigir isto de quem está ao nosso lado, se fomos nós que colocamos todo o encargo do nosso lado e se nós próprios não percebemos o que se está a passar e não transmitimos mais do que suspiros pesados e revirar de olhos?

Atenção, que obviamente há pessoas que percebem o que se passa e fazem-se só de tolos para não terem trabalho, não sou assim tão iludida. Falo aqui de situações em que partilhamos a vida com pessoas minimamente trabalhadoras e com o mínimo de espírito de sacrifício e de respeito e carinho por quem partilham a vida e que querem manter uma relação com os mínimos de salubridade mental e física.

Numa situação como a que falo, parece-me que o segredo para que as coisas aconteçam minimamente bem e sem que nenhum dos elementos do casal dê em louco, passa pelo seguinte (servindo o que de seguida se escreve para ambos e não só para as mulheres-mães desesperadas):

- Primeiro, ganhar finalmente consciência de que a pessoa que está ao nosso lado, está ao nosso lado e não dentro da nossa cabeça (coitado se estivesse…Deus o livre);

·  - Segundo, que muitos dos nossos problemas e frustrações, fomos nós que os construímos, criamos, imaginamos ou deixamos que entrassem na nossa vida, e, portanto, a pessoa que está ao nosso lado não é culpada nem tem que pagar pelos nossos pecados;

·   - Terceiro, que a pessoa que está ao nosso lado tem que ajudar, sim, como nós a temos que a ajudar a ela, mas que, para isso temos que aprender a falar, a dizer o que se passa connosco (primeiro devendo descobrir o que se passa cá dentro, ou pelo menos começar a ter uma ideia disso), a transmitir de forma correta e com respeito o que se passa, e, pior disto tudo: pedir ajuda! (sim, o bicho de sete cabeças! Pedir ajuda. Correr o risco de haver pessoas que nos achem fracos, de nós próprios nos acharmos fracos, mas pensem que isto será sempre em prol de uma vida mais plena a dois e com a “saúde mental mais saudável”).

Nas relações entre homens e mulheres, parece-me que tem de haver ainda um extra…tal como concluo que as mulheres têm que começar a usar palavras para que os homens compreendam o que se passa e não esperar que eles compreendam os sinais mais ou menos subtis que lançamos – porque os homens não vão lá com sinais, que às vezes nem conseguem ver, quanto mais interpretar -, concluo também que os homens devem começar a ouvir as palavras  que as mulheres usam para explicar o que se passa, e não só 10% das mesmas, porque senão não funciona.

Assim, acho que descobri parte do segredo para que a coisa se dê minimamente bem, e para ter relações saudáveis (connosco e com os outros), mas ainda estou só a descobrir o que se passa e a tentar passar da teoria para a prática, e não é nada fácil, nada mesmo…É que isto de ser mais consciente de mim e transmitir melhor as coisas, exige o cérebro a funcionar o dobro, quando nem sequer normalmente ele quer trabalhar como deve ser…Mas vou continuar a explorar esta matéria porque os resultados valem a pena (sim, já começo a ver alguns, vá lá) e vou colocando aqui mais conclusões, desabafos e desesperos sobre o assunto.

Concluindo e enviando uma mensagem para todos e todas e todes: Falemos mais, sem medo, com respeito e pensando antes de largar as palavras todas de uma vez, que elas depois não voltam e podem dar grandes problemas em vez de os resolver, ou evitar, e podem magoar pessoas de quem gostamos e a nós mesmos, que ficamos num arrependimento terrível e interminável. Tenhamos mais empatia uns com os outros e aprendamos a calar a boca se não nos estão a pedir opinião ou conselhos, lembremo-nos que cada um está a dar o seu melhor (ou o que acha ser o seu melhor). Sejamos melhores uns com os outros a ver se este mundo de loucos passivo-agressivos, passa a ser um mundo de loucos felizes e contentes desta vida!

 

Da vossa Criatura-Mais-Velha!

domingo, 2 de março de 2025

Tentativa #4 – Nova emoção básica reconhecida no sistema: A Raiva.

 A raiva reside apenas no peito dos tolos.” — Albert Einstein

 

É verdade. Descobri que afinal não só de medo e tristeza se faz esta bela Criatura-Mais-Velha.

 

Estive, e estou, a pensar e a repensar no que se passa aqui dentro há tanto tempo que já nem sei dizer quando começou, e que estou em pulgas para saber como o fazer acabar ou pelo menos para saber como o acalmar ou controlar.

 

E de tanto pensar, acho que pelo menos já cheguei a uma conclusão: outra emoção que sinto constantemente é a raiva.

 

Mas raiva numa das suas vertentes mais giras, que é a frustração.

 

Pronto, aqui chegada, perguntei-me a mim própria, mas porquê frustração? Então não era medo, ansiedade e tristeza que estavam para aqui a chatear? Agora queres mais uma amiga, é?

 

A resposta a que cheguei é a seguinte: pelos vistos, foi sempre a frustração que te levou até às outras “amigas” e não ao contrário!

 

É verdade! É a frustração, aliás, são as frustrações constantes desta vida (tenham ou não fundamento válido) que me têm levado neste mundo de incertezas, medos, ansiedade, depressão…Enfim, neste País das Maravilhas de problemas mentais latentes e não diagnosticados…

 

(E agora os pais da Criatura-Mais-Velha que até gostam de ler estes desesperos, mas que desesperam ao pensar que a filha fofa está em apuros, armem-se em fortes, porque vão aqui umas coisitas mais “sensíveis”, mas não se esqueçam que isto é uma zona segura e que é só para desabafar e curar coisas que nem sabia que estavam por curar. Amo-vos muito, de coração, sei que fizeram e fazem o melhor que sabem e que podem (e o que não podem, mas fazem por poder), e que sou uma privilegiada pela infância que tive e pela família maravilhosa que tenho, (a que vocês me deram e que estou eu agora a formar!). Obrigada por tudo!)

 

Portanto, voltando à vaca fria. Pelo que estou a perceber, agora que me debruço mais seriamente sobre estes assuntos, é que as minhas frustrações remontam a tempos antigos, quando ainda vivia num paraíso tropical, em que sorria para estranhos (lembram-se? Eu era aquela criança que sorria para estranhos e tal?).

 

As primeiras frustrações começaram a dar o ar da sua graça em criança, quando queria todos os hobbies e mais algum, mas não me foi autorizada a realização de nenhum deles (somente agora me dou conta disso! Incrível, como há cérebros que demoram tanto a funcionar, mas pronto, é equipamento dos anos 80, têm de dar um desconto) – mãe, pai, mais uma vez, respirem fundo, está tudo bem, é só mesmo conclusões a que cheguei, eu agora compreendo mais do que nunca estes “nãos” a atividades extracurriculares de crianças, acreditem!

 

Quis natação: não, porque tinha as costas largas (e tenho). Quis ballet: não, porque era (e sou) gorduchinha e não dá (também não é mentira). Quis karaté: não, que é para rapazes (verdade categórica na Venezuela dos anos 90). Quis guitarra: não havia meios para. Quis vólei: idem

 

Parece meio triste e dramático, mas não é, nem uma coisa, nem outra. Aconteceu. E sou uma pessoa feliz e (relativamente) saudável apesar disso, e está tudo bem. Só estou a descobrir o que faz de mim o que sou hoje em dia e como posso mudar o que me incomoda.

 

Pronto, isto dito, o que aconteceu a seguir? Ao longo da minha vida, que já vai em três décadas e meia, continuei a querer ter hobbies e fazer coisas que me apaixonavam e dos quais tirava gosto em fazer mesmo dando trabalho. Mas conseguia sozinha e sem qualquer tipo de ajuda “proibir-me” à realização desses hobbies e dessas coisas apaixonantes. Os que tive, que tive alguns como desenho, danças de salão, caminhadas, andar de bicicleta, dentre outros tantos, consegui deixá-los, abandonados por aí. Por vezes, a justificação da proibição ou do abandono das coisas que queria fazer, eram justificadas com motivos de caráter monetário, outras vezes em motivos sem motivo, outras simplesmente porque é mais fácil dizer que não. Resumidamente, descobri que pratico o hobby de autossabotagem, de desistir.

 

Isto reflete-se hoje em dia numa frustração diária, da qual sou eu a responsável mor…Fui eu que criei estas auto-proibições, estas desistências incessantes, e uma corrida atrás de algo que nunca sei bem o que é. Isto já em adulta, até ao nível pessoal e profissional, e não só nos hobbies e coisas giras. Ou porque pensei demais e acabei por ser demasiado racional nas decisões (por razões económicas, por responsabilidades reais ou imaginárias, por medos – também estes reais ou imaginários) e acabei por escolher coisas que não queria na verdade, ou porque às vezes, mesmo gostando muito ou querendo muito fazer uma coisa, torna-se mais fácil não a fazer. Torna-se mais fácil dizer-nos que não a nós próprios, e inventar outras prioridades que não são nossas, mas de outros, da própria sociedade…

 

Certo é que percebo agora que estas frustrações dentro de mim (sentir que não estou a fazer o que gosto em termos profissionais, em achar que já devia ter feito isto e o outro, pensar que se tivesse seguido outra via ou se tivesse tomado outras decisões estaria certamente melhor) são o motivo de estar constantemente mal-humorada, contrariada, rabugenta…Não é a ansiedade, não é a tristeza, não é o medo, é a raiva, nos seus trajes de frustração (cujo significado, para tornar a coisa mais científica, é: “uma sensação de incapacidade diante de desgostos sofridos, diante de obstáculos difíceis de ultrapassar e que impedem chegar onde se deseja. A frustração ocorre quando identificamos um erro entre aquilo que planejamos alcançar e o que realmente aconteceu”).

 

A boa notícia é que estou a tentar proibir-me cada vez menos de fazer coisas que quero fazer e que gosto de fazer (exemplo disso é estarem neste momento a ler a minha Tentativa #4).

 

Solução encontrada: ainda nenhuma (quem diria!), mas suspeito que a solução passe por aceitar que o que passou, passou, e que o que passou faz de mim o que sou hoje em dia. E, em simultâneo saber e lembrar-me todos os dias que ainda estou viva, que estou a envelhecer, mas que isso me está a tornar mais sábia (ou menos ignorante, pelo menos) e que nunca é tarde. Enquanto estivermos vivos, ainda é a nossa vez!

 

Da vossa Criatura-Mais-Velha!