“As pessoas não deviam viver o passado.
É o suficiente fazer o possível no presente.”
Kito Aya
Olá, olá! Hoje escrevo-vos a recuperar de um ataque furtivo das minhas amigas Ansiedade e Depressão, que já não acontecia com tanta pujança há algum tempo.
Não se preocupem, já estou
melhor, graças a Deus, já sei que essas duas são amigas para a vida e que tenho
é que saber lidar com elas. Já reconheço os sinais quando elas querem voltar
que nem uma assombração daqueles filmes de terror que têm mais sequela que
história, e então consigo lidar melhor com elas a tempo. Truques como
desabafar, ler, ouvir música, fazer exercícios de respiração, passar tempo de
qualidade com pessoas de quem gostas e que se preocupam contigo e basicamente
lutar contra a vontade de isolamento, costuma resultar. Custa, mas costuma ter
resultados minimamente satisfatórios e desta vez resultou bem.
Porquê venho com esta conversa,
ainda por cima quando já falei aqui várias vezes da Ansiedade e da Depressão e
não quero estar a repetir temas, porque também evitar pensamentos ruminantes é
importante para conseguirmos lutar contra aquelas duas lindinhas, perguntam
vocês?
Porque, com esta crisezita que
tive, reparei em vários aspetos que se repetem quando estou assim. Normalmente,
são pensamentos ruminantes como falei acima (pensamentos que não nos largam e
parece que vão mas depois voltam vezes e vezes sem conta durante o mesmo dia,
ou inclusive, durante a mesma hora), é cansaço extremo, é uma falta de
paciência brutal, é o ritmo cardíaco acelerado, é dor de barriga, e…um
ingrediente nesta receita fantástica que me chamou muito a atenção desta vez,
agora que estou mais atenta para tentar perceber melhor o que se passa comigo e
como posso combatê-lo: pensamentos derrotistas em que nos identificamos como o
empecilho de tudo e de todos e que nos faz questionar a nós próprios “Somos suficientes?” “Quando somos realmente suficientes e como
sabemos disso?”.
Sim, hoje o assunto é mais
pesado, mas é para isso que também servem estes meus desabafos, sempre na
esperança de ser uma ajuda para mim e uma ajuda para quem se consiga
identificar nestes cenários, para que saibam que não estão sozinhos e que
podemos sempre lutar contra aquelas duas malandras.
Então, no turbilhão de
pensamentos que estava a ter nesse dia da crise de Ansiedade e em que a
Depressão também deu o ar da sua graça, coloquei em causa toda a minha
existência e reparei que isso acontece sempre que as duas amiguinhas em causa
aparecem em cena.
Ponho em causa TODA a minha
qualidade e competência como profissional, como mãe, como esposa, como amiga,
como filha, como irmã, como pessoa, basicamente.
Nesses momentos, carrego em mim
todo o peso do Mundo sendo eu própria a coloca-lo lá.
É difícil de explicar, mas em
resumo, o sentimento que tenho é que não sou o que as pessoas acham que eu sou
(acho que posso estar a sofrer com mais um amiguinho peculiar que é o “Síndrome
do Impostor”, sim, eu autodiagnostico-me e tenho um quê de hipocondria, mesmo
fofa que eu sou, eu sei, tenho muitos amigos e muitas características
maravilhosas), que não sou o que as pessoas me dizem que acham que eu sou e
todos os elogios soam-me a frases de quem quer somente agradar-me para não me
magoar dalguma forma, ou para não carregar ainda mais na minha autoestima anã.
Depois disso, penso também que
por mais que me esforce não vou ser boa profissional, não vou ser boa mãe, não
vou ser boa esposa, não vou ser boa filha, não vou ser boa irmã. Ou pior,
coloco em causa se estou a fazer todos os possíveis para ser isso tudo ou se
ainda não tentei o suficiente para o ser havendo mais coisas que poderia fazer
para isso. Questiono-me se sou uma preguiçosa desinteressada que por aqui anda
(mesmo que à minha frente coloquem factos materiais que provam completamente o
contrário!).
Entram aqui também sentimentos de
frustração e de angústia extremos, sinto-me basicamente presa e a querer deixar
de ser eu e ser outra pessoa qualquer (nestes momentos, até ser o Companhia, do
Batatinha e Companhia, parece melhor). Nesses momentos, tudo é melhor do que
ser eu, porque ser eu não é suficiente, eu não sou suficiente, nem para mim nem
para os outros e sinto-me cansada de tentar tanto sê-lo sem o conseguir.
Nestes momentos quase chego ao
ponto de querer pegar no carro e ir, ir e não chatear mais ninguém e não ter de
SER para mais ninguém.
São pensamentos pesados,
dolorosos física e mentalmente. Deixam-me esgotada. E continuo, em esforço, em
contraponto, a engolir as coisas todas, a doer-me tudo, a ainda ter o
pensamento de que todos os dias têm que ser bons e ótimos e que se não sentes
isso és ingrata, porque tens tudo e ainda te estás a queixar. E aí volto a
engolir, porque não quero ser mal-agradecida. Aí volto a responder “nada” quando me perguntam o que se
passa. E voltamos à pescadinha de rabo na boca, porque respondo “nada” quando perguntam o que se passa,
porque não quero maçar a pessoa, não quero incomodar, não quero que me achem
chata, não quero que a pessoa chegue um dia e me ache insuficiente, mas ao não
dizer, a pessoa nem tem oportunidade de pensar sequer se és suficiente ou não…
A isto, meus queridos amigos
chamamos pensamentos/crenças limitadoras no seu mais alto nível! Se prémios houvesse
nessa categoria, estes pensamentos e crenças nestas alturas levariam o mais
importante dos prémios (tipo “E o Óscar
vai para os pensamentos da Criatura-Mais-Velha na performance «Quando a
Ansiedade e Depressão atacam»”).
E fica essa nuvem negra a pairar,
e eu a tentar enxotá-la como quem enxota moscas no pico do Verão em dia de
churrasco, e a nuvem negra fica a pairar, como se nada fosse.
Mas como a vida não para porque
estamos assim.
Como, felizmente, tenho sempre
pessoas de quem gosto e com quem me preocupo (mesmo que sejam poucas ou só uma,
não interessa, existem), que sei que precisam de mim e eu delas, e que elas
também se preocupam comigo e gostam de mim.
Como, felizmente, tenho já alguns
projetos e passatempos giros para pôr em prática, e que me fazem sentir única,
feliz e minimamente motivada.
Como, felizmente, existe um mundo
inteiro pela frente para descobrir, mesmo que tenha que começar mais pertinho
de casa e com coisas pequenas e gratuitas.
Como, felizmente, há música
brutal para todos os gostos, e tenho (como todos) AQUELA música (ou aquelas
músicas) que me faz flutuar, vibrar e arrepiar cada célula do corpo.
Como, felizmente, há aqueles
filmes que me fazem saltar para realidades paralelas e respirar um pouco fora
da minha realidade para dar uma descansadinha.
Como, felizmente, existem
milhentas coisas que me fazem sentir bem, que me fazem sentir que o esforço
vale a pena e que me fazem perceber que a minha vida não são aqueles
pensamentos que estamos a ter e que sou eu que os crio, e que sou eu que os
posso exterminar (brevemente nos cinemas “Criatura-Mais-Velha:
A Exterminadora Implacável de Pensamentos Negativos”).
Como, felizmente, já começo a ter
a capacidade de enfiar estes pensamentos positivos acima elencados todos na
minha cabeça em simultâneo com os pensamentos negativos para que eles andem à
luta, e como, felizmente, tenho uma rede de amigos e família excelente e que me
dão sempre a mão, e um marido com uma paciência extrema para mim e para as
minhas coisas, a nuvem negra começa a desaparecer de cena muito mais rápido do
que há uns anos, e costumam ser os pensamentos positivos a ganharem a luta.
Nesta fase de descoberta que têm
sido os últimos meses, de leituras, de conversas mais profundas sobre o
assunto, de perceber que o que sentimos e que nos parece exclusivo, não o é, e
que muitas pessoas passam pelo mesmo, tenho percebido que é mesmo, mas, mesmo,
mesmo muito importante aproveitar os poucos silêncios e sossegos que temos para
olhar e ouvir o que se passa cá dentro, para pensarmos, para nos questionarmos
a nós próprios, para escavarmos a ver o que se passa cá dentro e porquê.
Pelo menos para mim, tem sido
crucial finalmente encarar o monstro de frente, encarar todos os meus
amiguinhos emocionais que para aqui andam de frente, com medo, mas de frente.
Tem sido crucial parar e pensar no que estou a sentir e tentar perceber o porquê,
e não continuar com a resposta típica de quem quer evitar o elefante branco na
sala, não continuar com o “eu sou mesmo
assim”, “desde que me conheço que sou
assim”, “isto é de família, não há
nada a fazer”, “eu já tentei melhorar
mas não dá”.
Dói, é difícil, dá trabalho, até
porque é importante indagar sobre o assunto, empapar-se de conhecimento, fazer
sacrifícios, admitir que há um problema perante nós próprios e perante os
outros, que não conseguimos nem temos que conseguir estar sempre bem, mas é uma
dor e uma dificuldade temporárias para que o futuro não doa tanto, tantas
vezes.
Amigos meus do meu coração, desta
feita foi mesmo um discurso mais sério e pesado, mas acho que (e penso que a
maioria de vocês concorda) às vezes é mesmo indispensável este tipo de
conversas, com um tom mais sério e a olhar nos olhos dos problemas e desses
nossos amiguinhos inseparáveis sem desviar o olhar, até para lhes tirar a força
e para poder percebê-los melhor e saber o que fazer para os apaziguar e para
nos apaziguar a nós próprios e para que deixemos de nos questionar tanta vez “Será que sou mesmo suficiente?”.
Fui!
Da vossa Criatura-Mais-Velha!
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