domingo, 13 de abril de 2025

Tentativa # 10 - Quando somos mesmo suficientes?

As pessoas não deviam viver o passado.

É o suficiente fazer o possível no presente.

 Kito Aya

Olá, olá! Hoje escrevo-vos a recuperar de um ataque furtivo das minhas amigas Ansiedade e Depressão, que já não acontecia com tanta pujança há algum tempo.

Não se preocupem, já estou melhor, graças a Deus, já sei que essas duas são amigas para a vida e que tenho é que saber lidar com elas. Já reconheço os sinais quando elas querem voltar que nem uma assombração daqueles filmes de terror que têm mais sequela que história, e então consigo lidar melhor com elas a tempo. Truques como desabafar, ler, ouvir música, fazer exercícios de respiração, passar tempo de qualidade com pessoas de quem gostas e que se preocupam contigo e basicamente lutar contra a vontade de isolamento, costuma resultar. Custa, mas costuma ter resultados minimamente satisfatórios e desta vez resultou bem.

Porquê venho com esta conversa, ainda por cima quando já falei aqui várias vezes da Ansiedade e da Depressão e não quero estar a repetir temas, porque também evitar pensamentos ruminantes é importante para conseguirmos lutar contra aquelas duas lindinhas, perguntam vocês?

Porque, com esta crisezita que tive, reparei em vários aspetos que se repetem quando estou assim. Normalmente, são pensamentos ruminantes como falei acima (pensamentos que não nos largam e parece que vão mas depois voltam vezes e vezes sem conta durante o mesmo dia, ou inclusive, durante a mesma hora), é cansaço extremo, é uma falta de paciência brutal, é o ritmo cardíaco acelerado, é dor de barriga, e…um ingrediente nesta receita fantástica que me chamou muito a atenção desta vez, agora que estou mais atenta para tentar perceber melhor o que se passa comigo e como posso combatê-lo: pensamentos derrotistas em que nos identificamos como o empecilho de tudo e de todos e que nos faz questionar a nós próprios “Somos suficientes?” “Quando somos realmente suficientes e como sabemos disso?”.

Sim, hoje o assunto é mais pesado, mas é para isso que também servem estes meus desabafos, sempre na esperança de ser uma ajuda para mim e uma ajuda para quem se consiga identificar nestes cenários, para que saibam que não estão sozinhos e que podemos sempre lutar contra aquelas duas malandras.

Então, no turbilhão de pensamentos que estava a ter nesse dia da crise de Ansiedade e em que a Depressão também deu o ar da sua graça, coloquei em causa toda a minha existência e reparei que isso acontece sempre que as duas amiguinhas em causa aparecem em cena.

Ponho em causa TODA a minha qualidade e competência como profissional, como mãe, como esposa, como amiga, como filha, como irmã, como pessoa, basicamente.

Nesses momentos, carrego em mim todo o peso do Mundo sendo eu própria a coloca-lo lá.

É difícil de explicar, mas em resumo, o sentimento que tenho é que não sou o que as pessoas acham que eu sou (acho que posso estar a sofrer com mais um amiguinho peculiar que é o “Síndrome do Impostor”, sim, eu autodiagnostico-me e tenho um quê de hipocondria, mesmo fofa que eu sou, eu sei, tenho muitos amigos e muitas características maravilhosas), que não sou o que as pessoas me dizem que acham que eu sou e todos os elogios soam-me a frases de quem quer somente agradar-me para não me magoar dalguma forma, ou para não carregar ainda mais na minha autoestima anã.

Depois disso, penso também que por mais que me esforce não vou ser boa profissional, não vou ser boa mãe, não vou ser boa esposa, não vou ser boa filha, não vou ser boa irmã. Ou pior, coloco em causa se estou a fazer todos os possíveis para ser isso tudo ou se ainda não tentei o suficiente para o ser havendo mais coisas que poderia fazer para isso. Questiono-me se sou uma preguiçosa desinteressada que por aqui anda (mesmo que à minha frente coloquem factos materiais que provam completamente o contrário!).

Entram aqui também sentimentos de frustração e de angústia extremos, sinto-me basicamente presa e a querer deixar de ser eu e ser outra pessoa qualquer (nestes momentos, até ser o Companhia, do Batatinha e Companhia, parece melhor). Nesses momentos, tudo é melhor do que ser eu, porque ser eu não é suficiente, eu não sou suficiente, nem para mim nem para os outros e sinto-me cansada de tentar tanto sê-lo sem o conseguir.

Nestes momentos quase chego ao ponto de querer pegar no carro e ir, ir e não chatear mais ninguém e não ter de SER para mais ninguém.

São pensamentos pesados, dolorosos física e mentalmente. Deixam-me esgotada. E continuo, em esforço, em contraponto, a engolir as coisas todas, a doer-me tudo, a ainda ter o pensamento de que todos os dias têm que ser bons e ótimos e que se não sentes isso és ingrata, porque tens tudo e ainda te estás a queixar. E aí volto a engolir, porque não quero ser mal-agradecida. Aí volto a responder “nada” quando me perguntam o que se passa. E voltamos à pescadinha de rabo na boca, porque respondo “nada” quando perguntam o que se passa, porque não quero maçar a pessoa, não quero incomodar, não quero que me achem chata, não quero que a pessoa chegue um dia e me ache insuficiente, mas ao não dizer, a pessoa nem tem oportunidade de pensar sequer se és suficiente ou não…

A isto, meus queridos amigos chamamos pensamentos/crenças limitadoras no seu mais alto nível! Se prémios houvesse nessa categoria, estes pensamentos e crenças nestas alturas levariam o mais importante dos prémios (tipo “E o Óscar vai para os pensamentos da Criatura-Mais-Velha na performance «Quando a Ansiedade e Depressão atacam»”).

E fica essa nuvem negra a pairar, e eu a tentar enxotá-la como quem enxota moscas no pico do Verão em dia de churrasco, e a nuvem negra fica a pairar, como se nada fosse.

Mas como a vida não para porque estamos assim.

Como, felizmente, tenho sempre pessoas de quem gosto e com quem me preocupo (mesmo que sejam poucas ou só uma, não interessa, existem), que sei que precisam de mim e eu delas, e que elas também se preocupam comigo e gostam de mim.

Como, felizmente, tenho já alguns projetos e passatempos giros para pôr em prática, e que me fazem sentir única, feliz e minimamente motivada.

Como, felizmente, existe um mundo inteiro pela frente para descobrir, mesmo que tenha que começar mais pertinho de casa e com coisas pequenas e gratuitas.

Como, felizmente, há música brutal para todos os gostos, e tenho (como todos) AQUELA música (ou aquelas músicas) que me faz flutuar, vibrar e arrepiar cada célula do corpo.

Como, felizmente, há aqueles filmes que me fazem saltar para realidades paralelas e respirar um pouco fora da minha realidade para dar uma descansadinha.

Como, felizmente, existem milhentas coisas que me fazem sentir bem, que me fazem sentir que o esforço vale a pena e que me fazem perceber que a minha vida não são aqueles pensamentos que estamos a ter e que sou eu que os crio, e que sou eu que os posso exterminar (brevemente nos cinemas “Criatura-Mais-Velha: A Exterminadora Implacável de Pensamentos Negativos”).

Como, felizmente, já começo a ter a capacidade de enfiar estes pensamentos positivos acima elencados todos na minha cabeça em simultâneo com os pensamentos negativos para que eles andem à luta, e como, felizmente, tenho uma rede de amigos e família excelente e que me dão sempre a mão, e um marido com uma paciência extrema para mim e para as minhas coisas, a nuvem negra começa a desaparecer de cena muito mais rápido do que há uns anos, e costumam ser os pensamentos positivos a ganharem a luta.

Nesta fase de descoberta que têm sido os últimos meses, de leituras, de conversas mais profundas sobre o assunto, de perceber que o que sentimos e que nos parece exclusivo, não o é, e que muitas pessoas passam pelo mesmo, tenho percebido que é mesmo, mas, mesmo, mesmo muito importante aproveitar os poucos silêncios e sossegos que temos para olhar e ouvir o que se passa cá dentro, para pensarmos, para nos questionarmos a nós próprios, para escavarmos a ver o que se passa cá dentro e porquê.

Pelo menos para mim, tem sido crucial finalmente encarar o monstro de frente, encarar todos os meus amiguinhos emocionais que para aqui andam de frente, com medo, mas de frente. Tem sido crucial parar e pensar no que estou a sentir e tentar perceber o porquê, e não continuar com a resposta típica de quem quer evitar o elefante branco na sala, não continuar com o “eu sou mesmo assim”, “desde que me conheço que sou assim”, “isto é de família, não há nada a fazer”, “eu já tentei melhorar mas não dá”.

Dói, é difícil, dá trabalho, até porque é importante indagar sobre o assunto, empapar-se de conhecimento, fazer sacrifícios, admitir que há um problema perante nós próprios e perante os outros, que não conseguimos nem temos que conseguir estar sempre bem, mas é uma dor e uma dificuldade temporárias para que o futuro não doa tanto, tantas vezes.

Amigos meus do meu coração, desta feita foi mesmo um discurso mais sério e pesado, mas acho que (e penso que a maioria de vocês concorda) às vezes é mesmo indispensável este tipo de conversas, com um tom mais sério e a olhar nos olhos dos problemas e desses nossos amiguinhos inseparáveis sem desviar o olhar, até para lhes tirar a força e para poder percebê-los melhor e saber o que fazer para os apaziguar e para nos apaziguar a nós próprios e para que deixemos de nos questionar tanta vez “Será que sou mesmo suficiente?”. 

Fui!

Da vossa Criatura-Mais-Velha!

Sem comentários:

Enviar um comentário